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São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 2003

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BORIS FAUSTO

A duração do símbolo

Em meio às discussões envolvendo um leque de temas, há uma característica do governo Lula que marca uma profunda diferença não só com o governo anterior, mas com qualquer governo da história brasileira.
Trata-se do tipo de relação existente entre o presidente e uma grande parcela da população. Lembrei, em artigos anteriores, que os presidentes brasileiros, a partir de 1930 - com exceção dos entronizados pelo regime militar e de Eurico Gaspar Dutra que, por sinal, também era militar-, sempre se valeram de dotes carismáticos ao buscar um enlace com a grande massa. Porém o conteúdo desses dotes variou muito, de acordo com características pessoais e conjunturas específicas, ao longo desses mais de 70 anos.
No caso do presidente Lula, o carisma é tecido menos com palavras e mais com gestos que se exteriorizam em beijos e abraços, para entusiasmo de uns e preocupação de outros. É muito provável que os arroubos venham a diminuir no correr dos meses e anos, seja pelos imperativos das tarefas presidenciais, seja porque o impacto de rituais, do gênero da caravana contra a fome, tenderá a ser menor.
Mas há boas razões para pensar que essa marca do carisma presidencial irá permanecer por dois motivos pelo menos. Pela sinceridade, por parte do presidente, de suas relações afetivas com a massa, esfera em que ele se sente perfeitamente à vontade desde os tempos da militância sindical. Depois, pela crença de que o laço emocional gera bons dividendos sociais e políticos.
O último ponto não é tão simples assim. Boa parte das grandes expectativas em torno do governo Lula provém de pessoas -e não estou falando apenas de pessoas carentes- que acreditam no mito do homem providencial. Institucionalmente, esse sentimento se traduz na crença de que o presidente pode tudo. Se não resolve os problemas mais dramáticos do país, é porque carece de "vontade política" ou se sujeita a determinados vilões: os banqueiros, os funcionários do FMI, os desalmados burocratas nacionais. Em poucas palavras, os limites do possível não se casam com o entusiasmo emocional que é simplista, mas confortador, enquanto os limites são sempre frustrantes.
E aí está um problema que não existe agora, mas poderá existir no futuro. Por mais que o governo Lula siga um caminho certo, a concretização de esperanças de todo tipo -a habitação, o salário decente, o emprego garantido etc.- só se realizará a médio ou a longo prazo, envolvendo negociações e obstáculos de toda ordem. Mais ainda, o novo governo deverá impor restrições, aliás necessárias, atingindo interesses de setores sociais mais fiéis ao presidente, como é o caso do funcionalismo público.
Hoje, é muito cedo para fazer prognósticos. Vale mais a pena acompanhar os caminhos do simbólico e do material, que inexoravelmente vão seguir seu curso próprio nos próximos meses e anos.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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