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BORIS FAUSTO
A duração do símbolo
Em meio às discussões envolvendo
um leque de temas, há uma característica do governo Lula que marca
uma profunda diferença não só com o
governo anterior, mas com qualquer
governo da história brasileira.
Trata-se do tipo de relação existente
entre o presidente e uma grande parcela da população. Lembrei, em artigos anteriores, que os presidentes brasileiros, a partir de 1930 - com exceção dos entronizados pelo regime militar e de Eurico Gaspar Dutra que, por
sinal, também era militar-, sempre
se valeram de dotes carismáticos ao
buscar um enlace com a grande massa. Porém o conteúdo desses dotes variou muito, de acordo com características pessoais e conjunturas específicas, ao longo desses mais de 70 anos.
No caso do presidente Lula, o carisma é tecido menos com palavras e
mais com gestos que se exteriorizam
em beijos e abraços, para entusiasmo
de uns e preocupação de outros. É
muito provável que os arroubos venham a diminuir no correr dos meses
e anos, seja pelos imperativos das tarefas presidenciais, seja porque o impacto de rituais, do gênero da caravana
contra a fome, tenderá a ser menor.
Mas há boas razões para pensar que
essa marca do carisma presidencial irá
permanecer por dois motivos pelo
menos. Pela sinceridade, por parte do
presidente, de suas relações afetivas
com a massa, esfera em que ele se sente perfeitamente à vontade desde os
tempos da militância sindical. Depois,
pela crença de que o laço emocional
gera bons dividendos sociais e políticos.
O último ponto não é tão simples assim. Boa parte das grandes expectativas em torno do governo Lula provém
de pessoas -e não estou falando apenas de pessoas carentes- que acreditam no mito do homem providencial.
Institucionalmente, esse sentimento
se traduz na crença de que o presidente pode tudo. Se não resolve os problemas mais dramáticos do país, é porque carece de "vontade política" ou se
sujeita a determinados vilões: os banqueiros, os funcionários do FMI, os
desalmados burocratas nacionais. Em
poucas palavras, os limites do possível
não se casam com o entusiasmo emocional que é simplista, mas confortador, enquanto os limites são sempre
frustrantes.
E aí está um problema que não existe
agora, mas poderá existir no futuro.
Por mais que o governo Lula siga um
caminho certo, a concretização de esperanças de todo tipo -a habitação, o
salário decente, o emprego garantido
etc.- só se realizará a médio ou a longo prazo, envolvendo negociações e
obstáculos de toda ordem. Mais ainda,
o novo governo deverá impor restrições, aliás necessárias, atingindo interesses de setores sociais mais fiéis ao
presidente, como é o caso do funcionalismo público.
Hoje, é muito cedo para fazer prognósticos. Vale mais a pena acompanhar os caminhos do simbólico e do
material, que inexoravelmente vão seguir seu curso próprio nos próximos
meses e anos.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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