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CLAUDIA ANTUNES
O ministro e a velha senhora
RIO DE JANEIRO - Em suas declarações-para-sossegar-o-mercado, o ministro Palocci tem dito que o Estado
tem dívidas e que dívidas devem ser
pagas. Para isso, economizará o
quanto for necessário.
A singeleza do compromisso reporta ao instinto dos brasileiros pobres e
remediados (os muito ricos costumam contestar os seus débitos). Lembra aquela velha senhora do "Edifício Master", filme de Eduardo Coutinho. Roubada em todas as suas economias, ela pensa em se jogar da janela. Desiste quando decide que não
pode dar calote em dois crediários.
Existe, no entanto, uma diferença
fundamental entre os carnês da velhinha e a dívida do ministro. Enquanto ela sabe exatamente o que
pagará a cada mês, e poderá sentir-se
liberada quando tudo estiver quitado, os desembolsos do Tesouro dependem em grande parte do humor
de seus credores. Se eles, seja lá por
que razão, empurram a taxa de câmbio para a estratosfera, os juros crescem e, com isso, a dívida.
Palocci aposta que pode controlar
os humores do mercado. Oferece-lhe
a continuidade do câmbio livre, juros
que não baixarão por "voluntarismo" e superávit maior, mesmo que o
FMI não o exija. Uma combinação
do veneno e de seu antídoto, que
mantém o paciente em estado quase
comatoso, mas ainda vivo.
Num momento de transição, entende-se a cautela do ministro. O problema é que o cuidado excessivo pode
provocar paralisia. Espera-se, por
exemplo, que seja definida em breve
a renegociação das tarifas de energia
-que, dolarizadas, puxam a inflação para cima e, com ela, os juros.
Também seria preciso reconhecer
que a velha política criou um círculo
vicioso, e que é muito conformismo
considerá-la a única alternativa.
Assim como as lojas de departamento que venderam à moradora do
Master, os credores do país supostamente não têm interesse em seu suicídio. Mas, como é típico de sua atividade, pensam no curto prazo e podem ganhar mais se o devedor continuar de cama, fragilizado.
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