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São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

O ministro e a velha senhora

RIO DE JANEIRO - Em suas declarações-para-sossegar-o-mercado, o ministro Palocci tem dito que o Estado tem dívidas e que dívidas devem ser pagas. Para isso, economizará o quanto for necessário.
A singeleza do compromisso reporta ao instinto dos brasileiros pobres e remediados (os muito ricos costumam contestar os seus débitos). Lembra aquela velha senhora do "Edifício Master", filme de Eduardo Coutinho. Roubada em todas as suas economias, ela pensa em se jogar da janela. Desiste quando decide que não pode dar calote em dois crediários.
Existe, no entanto, uma diferença fundamental entre os carnês da velhinha e a dívida do ministro. Enquanto ela sabe exatamente o que pagará a cada mês, e poderá sentir-se liberada quando tudo estiver quitado, os desembolsos do Tesouro dependem em grande parte do humor de seus credores. Se eles, seja lá por que razão, empurram a taxa de câmbio para a estratosfera, os juros crescem e, com isso, a dívida.
Palocci aposta que pode controlar os humores do mercado. Oferece-lhe a continuidade do câmbio livre, juros que não baixarão por "voluntarismo" e superávit maior, mesmo que o FMI não o exija. Uma combinação do veneno e de seu antídoto, que mantém o paciente em estado quase comatoso, mas ainda vivo.
Num momento de transição, entende-se a cautela do ministro. O problema é que o cuidado excessivo pode provocar paralisia. Espera-se, por exemplo, que seja definida em breve a renegociação das tarifas de energia -que, dolarizadas, puxam a inflação para cima e, com ela, os juros. Também seria preciso reconhecer que a velha política criou um círculo vicioso, e que é muito conformismo considerá-la a única alternativa.
Assim como as lojas de departamento que venderam à moradora do Master, os credores do país supostamente não têm interesse em seu suicídio. Mas, como é típico de sua atividade, pensam no curto prazo e podem ganhar mais se o devedor continuar de cama, fragilizado.



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