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São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

E a política pública sobre drogas?

FÁBIO MESQUITA


Esperamos que o presidente discuta com a sociedade brasileira que rumos a política pública sobre drogas deve tomar


Senti falta, no anúncio do dia 23 de dezembro de 2002 -do então futuro governo do Brasil-, do nome do titular da Senad. Esse anúncio poderia ter vindo ao lado de um novo nome para a Secretaria Nacional Antidrogas, como o mais adequado secretaria nacional de políticas públicas de drogas. Além das drogas ilícitas movimentarem 8% do comércio mundial (ou US$ 500 bilhões por ano), o crime organizado foi tema central do noticiário do país nos meses que antecederam a eleição do presidente Lula. A morte do jornalista da TV Globo Tim Lopes foi assunto concorrente das eleições por muito tempo. A situação de Bangu 1, o debate sobre a inteligência policial e outros -que pareciam afetar somente o Rio de Janeiro- também roubaram a cena.
Agora, o que se vê é que é de Goiás o personagem recém-apresentado pela Polícia Federal como o maior traficante brasileiro. Seu escudo parlamentar mora no Ceará e despacha em Brasília, e os juízes e desembargadores estão envolvidos em alvarás de solturas de traficantes, de vários estados brasileiros. Não bastasse isso, no dia em que o então presidente eleito apresentava seu primeiro escalão, um policial civil morria de overdose da sede do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos), em São Paulo. Não há, portanto, dúvida de que se trata de um fenômeno de dimensão nacional.
O governo FHC criou, em 1998, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). Deu dois passos para frente: colocou-a subordinada à Presidência da República e deu seu comando, inicialmente, a um civil (o juiz paulista Walter Maierovitch). E deu dois passos para trás: colocou-a na Secretaria de Segurança Institucional da Presidência e deu o nome inadequado de "antidrogas" -por adoção, sem críticas, da proposta da OEA. O saldo foi que, finalmente, o Brasil tratou da questão como multilateral e de primeira grandeza institucional, estabeleceu uma política de drogas e abriu um debate nacional sobre o tema. O problema maior foi um alinhamento -nunca antes visto- à fracassada política norte-americana de "guerra contra as drogas" (que, há muito, já não serve nem a eles próprios).
Não dá para dizer que não temos acúmulo no que se refere à discussão. O PT tem quadros, entre militantes e simpatizantes, de grande porte nessa área. Desde brasileiros que representam nosso país em instituições multilaterais e acompanham as tendências contemporâneas sobre o tema, gente que publica nas melhores revistas científicas sobre drogas do mundo, até gente que constrói, em ONGs, universidades e governos, propostas das mais engajadas sobre o tema em questão. É da gestão da prefeita Marta Suplicy a mais avançada proposta institucional sobre o tema no país até o momento, que criou o Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas, denominação muito mais adequada do que "antidrogas" (do governo FHC) ou "de entorpecentes" (do governo Alckmin).
O Brasil tem tido papel destacado até internacionalmente no que concerne ao tema por ter colocado em sua política a estratégia de redução de danos, não casualmente iniciada, em Santos, durante a administração de Telma de Souza. O país tem, entre alguns de seus melhores projetos hoje em curso, os das prefeituras de Porto Alegre e de São Paulo. Aqui no Brasil, em 1993, o órgão da ONU que lida com questões relacionadas às drogas (UNDCP) fez, pela primeira vez no mundo, uma opção por uma política com ênfase na prevenção, tendo como estratégia a redução de danos, o que o órgão só assumiria institucionalmente no resto do planeta muitos anos mais tarde. Somos ainda exemplo para toda a América Latina no que diz respeito a essas políticas.
Assim, esperamos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncie ainda que a Senad, pela importância política e pelo caráter multilateral do fenômeno, ficará no Gabinete Civil da Presidência, pense em designar um civil de primeira grandeza para a mesma e discuta com a sociedade brasileira, com base na experiência de governos do PT e da sociedade civil, que rumos a política pública sobre drogas deve tomar no país, nos próximos quatro anos. Assim, a esperança de uma proposta arrojada, realista e humanitária vencerá o medo do tema, senso comum entre os brasileiros, que se sentem atônitos e impotentes diante de um fenômeno tão importante na vida do país.

Fábio Mesquita, 45, médico, é doutor em saúde pública, vice-presidente da Associação Internacional de Redução de Danos e coordenador do Programa de DST/AIDS da Prefeitura de São Paulo.


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