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CLÓVIS ROSSI
Sai um craque
MADRI - Felipe González, o último
grande político do século 20, não vai
se candidatar a deputado nas eleições espanholas de março -depois
de 27 anos no Congresso.
Digo apenas grande político porque
não me atrevo a julgar os seus 14
anos de governo (1982/96), durante
os quais a Espanha entrou para a
União Européia, o empurrão que faltava para se transformar em um país
admirável, invejável.
González é um orador extraordinário, um "palanqueiro" como já não
mais se fazem, e ainda por cima domina também a TV, como se tivesse
sido treinado desde bebê por algum
Duda Mendonça.
Vi-o em ação, pela primeira vez, no
comício de encerramento da campanha dos socialistas para a eleição de
1977, a primeira eleição livre na Espanha depois de 40 anos de ditadura
de Francisco Franco Bahamonde,
morto em 1975.
Foi no estádio do Rayo Vallecano,
no bairro de Vallecas, então subúrbio
"vermelho" de Madri. O estádio estava lotado até nas torres de iluminação. González dizia uma daquelas
frases de efeito que o bom orador introduz de propósito para sacudir a
massa, o público urrava, ele dava um
tempinho para os aplausos e, depois,
com um simples gesto de mão, calava
a massa, até a frase de efeito seguinte
-e tudo se repetia.
Em 1993, em debate na TV com o
atual primeiro-ministro José María
Aznar, González calou-o com uma
frase magistralmente colocada: "É
impressionante a solenidade com
que o senhor diz obviedades". Aznar
pareceu ter ficado pequeno, perdeu o
debate e a eleição (a última que os socialistas ganharam).
González é nitidamente político de
outra era. Não digo melhor ou pior.
Diferente. Uma era menos profissional (para o bem ou para o mal), de
mais envolvimento da militância, de
mais ilusão (no sentido que os espanhóis dão à palavra; de encantamento, não de enganação).
Talvez seja saudosismo, mas acho
que gente assim faz falta.
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