São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Sai um craque

MADRI - Felipe González, o último grande político do século 20, não vai se candidatar a deputado nas eleições espanholas de março -depois de 27 anos no Congresso.
Digo apenas grande político porque não me atrevo a julgar os seus 14 anos de governo (1982/96), durante os quais a Espanha entrou para a União Européia, o empurrão que faltava para se transformar em um país admirável, invejável.
González é um orador extraordinário, um "palanqueiro" como já não mais se fazem, e ainda por cima domina também a TV, como se tivesse sido treinado desde bebê por algum Duda Mendonça.
Vi-o em ação, pela primeira vez, no comício de encerramento da campanha dos socialistas para a eleição de 1977, a primeira eleição livre na Espanha depois de 40 anos de ditadura de Francisco Franco Bahamonde, morto em 1975.
Foi no estádio do Rayo Vallecano, no bairro de Vallecas, então subúrbio "vermelho" de Madri. O estádio estava lotado até nas torres de iluminação. González dizia uma daquelas frases de efeito que o bom orador introduz de propósito para sacudir a massa, o público urrava, ele dava um tempinho para os aplausos e, depois, com um simples gesto de mão, calava a massa, até a frase de efeito seguinte -e tudo se repetia.
Em 1993, em debate na TV com o atual primeiro-ministro José María Aznar, González calou-o com uma frase magistralmente colocada: "É impressionante a solenidade com que o senhor diz obviedades". Aznar pareceu ter ficado pequeno, perdeu o debate e a eleição (a última que os socialistas ganharam).
González é nitidamente político de outra era. Não digo melhor ou pior. Diferente. Uma era menos profissional (para o bem ou para o mal), de mais envolvimento da militância, de mais ilusão (no sentido que os espanhóis dão à palavra; de encantamento, não de enganação).
Talvez seja saudosismo, mas acho que gente assim faz falta.


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