São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Palocci caminha para o isolamento
LINDBERG FARIAS
Na campanha, Lula enfatizava a necessidade de baixar os juros e apostar no crescimento e na geração de empregos. Havia a clara intenção de transferir a hegemonia do sistema financeiro para setores da burguesia ligados à produção. Hoje, as iniciativas do governo vão no sentido oposto. Há continuidade e aprofundamento da lógica neoliberal que presidiu a gestão FHC e que consolidou a ditadura do sistema financeiro. No PT, virou moda comparar a condução do governo a um transatlântico que não pode fazer uma curva muito radical, sob pena de colocar a vida dos passageiros em risco. Não estamos propondo isso. Nós só queremos que o transatlântico faça os primeiros e cuidadosos movimentos de mudança de rota. O problema é que isso não tem acontecido -ao contrário, o governo acelera para o mesmo rumo anterior. Até agora não há transição alguma. É o que pedimos: uma verdadeira transição. Quem pensa que vamos atuar apenas demarcando campo com bandeiras anticapitalistas de agitação está enganado. Queremos interferir no debate real que está sendo travado dentro desse governo. O desafio é construir uma grande aliança que ultrapasse os limites da esquerda do PT. Vamos nos juntar com todos que discordam dos rumos da política econômica de Palocci e que querem construir os primeiros passos para o desembarque do neoliberalismo. Não aceitamos a tese de que "não há outro caminho". Somos marxistas, mas vamos usar os exemplos históricos das experiências keynesianas para mostrar que há opções à lógica neoliberal no atual estado de correlação de forças. Fazemos esse duro debate porque queremos desesperadamente que o governo Lula dê certo. Uma derrota do governo seria um desastre para a esquerda e abriria caminho para a volta da direita. Para que dê certo, o rumo tem de ser mudado, e o caminho do desenvolvimento econômico, retomado. A via Palocci é a mesma de FHC e já deu mostra de seu fracasso. Malan e Palocci usam, inclusive, os mesmos argumentos. Dizem que, para trilhar um caminho desenvolvimentista, é preciso reduzir a relação dívida pública/PIB e oferecem como receita principal o aumento do superávit primário, ou seja, corte em investimentos e gastos sociais. Só do ministério de Ciro Gomes, cuja previsão de gastos era de mais de R$ 2 bilhões, cortaram mais de 90% da verba: sobraram R$ 188,6 milhões. Se Ciro não estivesse em fase de "paz e amor", apagaria as luzes e entregaria as chaves. Na Saúde, o corte foi de 1,6 bilhão. Olívio Dutra, que tinha projetos para reurbanizar as favelas, teve seu orçamento cortado em 85,19% -restaram R$ 326 milhões. Até o salário mínimo de R$ 240 está ameaçado. Isso trará desgastes a Lula. Todo o Brasil acreditava que o governo Lula seria sinônimo de uma política de ampliação de recursos destinados à infra-estrutura e investimentos sociais. O pior é que os cortes orçamentários promovidos para alcançar superátivs primários de 4,25% trazem desgaste e não resolvem o problema econômico. O superávit primário é apenas um dos mecanismos para regular o tamanho da dívida e não é o mais importante. Destina-se apenas a arrecadar dinheiro para o pagamento de juros. O problema é que a dívida cresce quando os juros e a cotação do dólar sobem. Hoje, cada elevação em 1% nas taxas de juros faz a dívida crescer em mais R$ 8 bilhões, exigindo novos cortes dos gastos públicos. Caso se intensifique a instabilidade internacional e, em razão dela, se eleve a cotação do dólar, digamos em 3%, a dívida crescerá mais de R$ 10 bilhões. E, aí, o que recomendarão? Mais cortes nos gastos públicos. Até quando? Foi por isso que, apesar de superávit primário sempre crescente, a relação da dívida mobiliária/PIB, segundo dados do BC, que era de 30% em 1994, subiu para 56% em setembro de 2002. E FHC ainda usou o dinheiro das privatizações para tentar conter a dívida. Vamos seguir em frente. Não estamos isolados. É Palocci quem caminha para o isolamento. Quem viver verá. Cresce o coro dos que defendem um plano B. É aí que se sustenta a nossa confiança de que a esperança ainda tem chances de driblar e vencer o medo. Lindberg Farias, 33, é deputado federal pelo PT-RJ. Foi presidente da UNE (1992-93). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Oded Grajew: Os empresários e o combate à fome Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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