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São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Palocci caminha para o isolamento

LINDBERG FARIAS

As declarações e as ameaças de punição feitas pelos principais dirigentes do PT não tiveram só a intenção de intimidar e frear o nascente debate sobre os rumos da política econômica do governo. Houve uma ação articulada para "minimizar e desqualificar" a polêmica, atribuindo o questionamento à um punhado de parlamentares radicalóides, que querem transformar o governo Lula numa aventura jacobina.
Não somos "vozes isoladas", como disse o presidente do PT, José Genoino. Melhor do que ninguém, Genoino sabe que as críticas ao rumo da política econômica proposta por Palocci não são apenas dos 30 deputados da esquerda do PT. Há muitos parlamentares do campo moderado e cada vez mais gente de dentro do governo que não escondem o desconforto e a desconfiança com o caminho adotado. É claro que os cortes de verba do ministérios agravaram esse clima. Mas não é só.
A militância partidária e os movimentos sociais trocaram o riso fácil que tinham no rosto desde a vitória por um ar de dúvida e preocupação. Cada vez mais, renomados intelectuais, jornalistas e economistas levantam questionamentos. Paul Singer, que não pode ser acusado de integrar a esquerda radical do PT, declarou ser a política econômica do ministro Palocci "exatamente a mesma" do governo anterior.
Não, não somos vozes isoladas. É o ministro Palocci quem caminha para o isolamento por patrocinar uma política radical na aplicação do receituário monetarista do FMI. Não é verdade que esse modelo tenha sido apresentado na eleição. O PT, de fato, fez uma grande inflexão política e programática na eleição passada, mas não tão grande quanto deseja o ministro. Foi abandonada a antiga proposta de um governo democrático e popular, que teria hegemonia da classe trabalhadora. Em troca, assumiu-se um discurso desenvolvimentista e de alianças com o capital industrial.


Parlamentares do campo moderado e gente de dentro do governo não escondem o desconforto com o caminho adotado


Na campanha, Lula enfatizava a necessidade de baixar os juros e apostar no crescimento e na geração de empregos. Havia a clara intenção de transferir a hegemonia do sistema financeiro para setores da burguesia ligados à produção. Hoje, as iniciativas do governo vão no sentido oposto. Há continuidade e aprofundamento da lógica neoliberal que presidiu a gestão FHC e que consolidou a ditadura do sistema financeiro.
No PT, virou moda comparar a condução do governo a um transatlântico que não pode fazer uma curva muito radical, sob pena de colocar a vida dos passageiros em risco. Não estamos propondo isso. Nós só queremos que o transatlântico faça os primeiros e cuidadosos movimentos de mudança de rota. O problema é que isso não tem acontecido -ao contrário, o governo acelera para o mesmo rumo anterior. Até agora não há transição alguma. É o que pedimos: uma verdadeira transição.
Quem pensa que vamos atuar apenas demarcando campo com bandeiras anticapitalistas de agitação está enganado. Queremos interferir no debate real que está sendo travado dentro desse governo. O desafio é construir uma grande aliança que ultrapasse os limites da esquerda do PT. Vamos nos juntar com todos que discordam dos rumos da política econômica de Palocci e que querem construir os primeiros passos para o desembarque do neoliberalismo. Não aceitamos a tese de que "não há outro caminho". Somos marxistas, mas vamos usar os exemplos históricos das experiências keynesianas para mostrar que há opções à lógica neoliberal no atual estado de correlação de forças.
Fazemos esse duro debate porque queremos desesperadamente que o governo Lula dê certo. Uma derrota do governo seria um desastre para a esquerda e abriria caminho para a volta da direita. Para que dê certo, o rumo tem de ser mudado, e o caminho do desenvolvimento econômico, retomado.
A via Palocci é a mesma de FHC e já deu mostra de seu fracasso. Malan e Palocci usam, inclusive, os mesmos argumentos. Dizem que, para trilhar um caminho desenvolvimentista, é preciso reduzir a relação dívida pública/PIB e oferecem como receita principal o aumento do superávit primário, ou seja, corte em investimentos e gastos sociais. Só do ministério de Ciro Gomes, cuja previsão de gastos era de mais de R$ 2 bilhões, cortaram mais de 90% da verba: sobraram R$ 188,6 milhões. Se Ciro não estivesse em fase de "paz e amor", apagaria as luzes e entregaria as chaves. Na Saúde, o corte foi de 1,6 bilhão. Olívio Dutra, que tinha projetos para reurbanizar as favelas, teve seu orçamento cortado em 85,19% -restaram R$ 326 milhões. Até o salário mínimo de R$ 240 está ameaçado. Isso trará desgastes a Lula.
Todo o Brasil acreditava que o governo Lula seria sinônimo de uma política de ampliação de recursos destinados à infra-estrutura e investimentos sociais. O pior é que os cortes orçamentários promovidos para alcançar superátivs primários de 4,25% trazem desgaste e não resolvem o problema econômico. O superávit primário é apenas um dos mecanismos para regular o tamanho da dívida e não é o mais importante. Destina-se apenas a arrecadar dinheiro para o pagamento de juros. O problema é que a dívida cresce quando os juros e a cotação do dólar sobem. Hoje, cada elevação em 1% nas taxas de juros faz a dívida crescer em mais R$ 8 bilhões, exigindo novos cortes dos gastos públicos.
Caso se intensifique a instabilidade internacional e, em razão dela, se eleve a cotação do dólar, digamos em 3%, a dívida crescerá mais de R$ 10 bilhões. E, aí, o que recomendarão? Mais cortes nos gastos públicos. Até quando? Foi por isso que, apesar de superávit primário sempre crescente, a relação da dívida mobiliária/PIB, segundo dados do BC, que era de 30% em 1994, subiu para 56% em setembro de 2002. E FHC ainda usou o dinheiro das privatizações para tentar conter a dívida.
Vamos seguir em frente. Não estamos isolados. É Palocci quem caminha para o isolamento. Quem viver verá. Cresce o coro dos que defendem um plano B. É aí que se sustenta a nossa confiança de que a esperança ainda tem chances de driblar e vencer o medo.

Lindberg Farias, 33, é deputado federal pelo PT-RJ. Foi presidente da UNE (1992-93).


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