São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A falácia do controle externo
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Ora, o constituinte nacional colocou, como cláusula pétrea, a separação de Poderes, estando o artigo 60, parágrafo 4º, inciso 3º, da lei suprema, assim redigido: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] a separação dos Poderes". Mesmo que o Congresso aprovasse emenda constitucional em andamento no Parlamento, o Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe a guarda da Constituição, poderia declarar tal emenda inconstitucional, porque o seria de fato, por afetar a separação dos Poderes, visto que, no projeto governamental, o Poder Legislativo terá assento no órgão de controle, tanto o Senado como a Câmara dos Deputados. Ora, se a separação dos Poderes é cláusula pétrea, sendo a função do Poder Judiciário, na própria Constituição, aquela de julgar os atos dos outros Poderes e dos cidadãos em geral nas suas relações e naquelas com o poder público, como admitir que essa separação seja turbada com a presença de senador e deputado, ou seu representante, no referido órgão? Tenho para mim -assim também pensando Saulo Ramos, notável causídico e discípulo predileto de Vicente Rao, que nele reconhecia o talento de grande jurista- que o referido controle, se aprovado, seria manifestamente inconstitucional, em que pese a manifestação contrária do brilhante futuro presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, posição reconhecidamente minoritária dentro da magistratura. O problema, todavia, que me impressiona é que, a título de focar o controle externo do Poder Judiciário -entre 13 mil magistrados, os casos de suspeição de corrupção estão em torno de 0,01%, percentual consideravelmente inferior aos escândalos quase diários que espoucam nos outros Poderes-, são escondidos os verdadeiros problemas que ele enfrenta, que são excesso de recursos processuais, excesso de instâncias e escassez de recursos financeiros e de magistrados. A isso se acrescenta a atuação aética dos Poderes Executivos da União, Estados e municípios, que entulham os tribunais com recursos repetitivos e sem chance de resultado favorável, por contrariarem jurisprudência pacífica contra o poder público -e que representam 70% dos processos em tramitação. Eu sempre disse que a "caixa preta" do Judiciário está, na verdade, no Executivo e nos recursos ilegítimos propostos com objetivo de retardar pagamentos que deve à sociedade. Os precatórios não-pagos são a inequívoca demonstração dessa atuação condenável. Por essa razão é que o governo federal não pretende a adoção da súmula vinculante -ou do efeito vinculante das decisões judiciais-, visto que tal procedimento abreviaria as longas demandas, das quais são os grandes beneficiários. Ora, se conseguir aprovar o controle externo, com direito, inclusive, de demitir magistrados antes do trânsito em julgado das ações que presidem, reduzirá, consideravelmente, a independência do Judiciário. Correr-se-á, então, o risco de ficar a sociedade à mercê de um Legislativo e de uma burocracia cada vez menos profissionalizada, esvaziando-se o direito de defesa do cidadão. Sou contrário ao controle externo, embora favorável ao Conselho Nacional da Magistratura composto só de magistrados. Sou também favorável à melhora do sistema de corregedorias do Ministério Público, de criação de legislação mais efetiva para o controle da advocacia por seus tribunais de ética. Sou favorável a que se melhorem as corregedorias das polícias Federal (Ministério da Justiça) e estaduais, assim como das secretarias do Tesouro (Receita Federal, fazendas estaduais e fazendas municipais). Cada Poder, todavia, deve ter a independência necessária para exercer suas funções constitucionais sem pressões de natureza externa, que maculariam o regime de separação e terminariam por atingir as liberdades democráticas dos cidadãos, em benefício exclusivo dos governantes. Ives Gandra da Silva Martins, 68, advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Eduardo Graeff: Restauração burocrática Índice |
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