São Paulo, Sábado, 20 de Fevereiro de 1999
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O Congresso deve fixar regras mais rígidas de fidelidade partidária?

SIM
Modernização do sistema político

SÉRGIO MACHADO

O instituto da fidelidade partidária não deve ser considerado como um fim em si mesmo, mas como parte fundamental do sistema político-partidário.
Nas eleições de 1994, dos 513 deputados federais eleitos, só 13 conquistaram o mandato com seus próprios votos, enquanto em 1998 esse número subiu para 28. Em tese, nem estes poderiam se considerar, impropriamente, "donos" dos seus mandatos; muito menos a grande maioria que se elegeu com os votos do partido. Digo impropriamente porque o candidato é um representante do partido.
Na prática, porém, essa representação é uma falácia. Depois de eleito, o parlamentar desata o vínculo com o partido que o elegeu e colocou à sua disposição uma estrutura, um palanque e bases programáticas. A legenda transforma-se em mera referência burocrática -e o mandato vira, indevidamente, propriedade privada.
Só para ilustrar: na legislatura de 1991 a 1995, 268 deputados -mais da metade da composição da Câmara- mudaram de partido. Um mesmo parlamentar trocou dez vezes de legenda. Na legislatura passada, até outubro de 1997, 230 mudanças haviam sido contabilizadas. Outro absurdo: em sete dias, um deputado federal trocou três vezes de partido, batendo todos os recordes.
Além de debilitar os partidos, o troca-troca produz outras consequências negativas, traduzidas na apatia e no desinteresse do eleitor. Tanto que, em cada dez eleitores, sete não lembravam mais em quem votaram para deputado federal, segundo as pesquisas.
O sistema eleitoral brasileiro (proporcional, com votos no candidato), que só encontra paralelo na Finlândia, é a principal fonte de desagregação partidária. Para atingir o quociente eleitoral que assegure o maior número de cadeiras, os partidos convidam representantes de aparelhos e corporações a se candidatar. Essas pessoas, se eleitas, defenderão os interesses da corporação ou do aparelho que representam, já que os laços de fidelidade com eles são mais sólidos do que com a legenda que lançou sua candidatura.
Como relator da Comissão Especial da Reforma Político-Partidária no Senado, propus a perda de mandato para o parlamentar que, voluntariamente, deixar o partido pelo qual foi eleito, salvo em caso de fusão, incorporação ou para participar, como fundador, de novo partido político. Mais: o detentor de mandato (no Legislativo ou no Executivo) terá de cumprir as decisões programáticas aprovadas pela convenção partidária. Se violar a determinação, poderá perder o mandato para o qual foi eleito, mediante processo em que lhe é assegurada ampla defesa.
Por entender que o fortalecimento dos partidos é a viga mestra da reforma política, defendo, neste momento, a adoção de regras rígidas de fidelidade partidária, a fim de que haja estabilidade do quadro partidário, como ponto necessário (porém insuficiente) à modernização do sistema político.
A fidelidade partidária, ao lado do sistema eleitoral misto, do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, da cláusula de desempenho e da proibição de coligações nas eleições proporcionais, é fundamental para modernizar o sistema político, visando assegurar a consolidação da democracia, a estabilidade política e, por conseguinte, a governabilidade.
Só com partidos fortes e permanentes -e não cartórios eleitorais- haverá maior participação da sociedade na vida política do país. Essa visão sistêmica é indispensável, sob pena de termos um "remendo político-partidário" em vez da reforma político-partidária, que considero a mãe de todas as reformas. O Congresso Nacional precisa aprová-la o mais rápido possível.


Sérgio Machado, 52, é senador pelo PSDB-CE e líder do partido no Senado. Foi relator da Comissão Especial da Reforma Político-Partidária e secretário de Governo do Estado do Ceará (1987-1990).



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