São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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O MST contra a democracia


O MST é honesto ao anunciar seus objetivos, como Hitler no "Mein Kampf", em que disse exatamente o que faria
JOSÉ CARLOS GRAÇA WAGNER

Há uma brincadeira chamada "esconde-esconde", na qual quem escondeu algo orienta quem procura, dizendo se este está "frio" ou "quente" à medida que se aproxima ou se afasta do objetivo. Muitos imaginam que o objetivo do MST seja uma promoção eleitoral de caráter radical, para influenciar, na futura legislatura, uma nova lei de reforma agrária. Não é essa, porém, a meta real. O MST, com a CUT e o PT, integra o Foro de São Paulo, entidade internacional latino-americana que visa fazer a revolução "neo-socialista", não necessariamente armada, no continente.
A decisão de firmar um novo caminho para a esquerda continental foi reafirmada no sétimo encontro do foro, em Porto Alegre, em 1997. A entidade conta com a filiação de quase 150 organizações do continente. Isso explica porque o MST, ao final de um encontro em Vitória, na presença de Lula, encenou um "tribunal popular" no melhor estilo de Fidel Castro, condenando à morte "traidores" como o presidente Fernando Henrique, Antonio Carlos Magalhães e (como não poderia deixar de ser) Bill Clinton. O "teatro" termina com a tomada do Planalto pelo MST e a instauração de um regime socialista, sem nenhuma menção a eleições.
Tem razão quem considera que o MST é honesto ao anunciar seus objetivos -como Hitler no "Mein Kampf", em que disse exatamente o que faria. Tentará pôr em prática tudo o que teatralizou, inclusive condenando os "traidores da pátria". Afinal, para o MST e a esquerda radical, utopia é sinônimo de revelação da deusa História.
É preciso dar nome aos bois. O MST é revolucionário. Não quer nada com eleições, a não ser que sirvam para levá-lo ao poder, hipótese em que não acredita. O apoio a Lula é manobra diversionista. Se, por acaso, o petista for eleito "antes da revolução", o MST, ainda assim, prosseguirá na sua atividade revolucionária até o governo de Lula assumir essa característica -o que, aliás, será de esperar. MST e CUT se encarregarão de dar os pretextos necessários para a sonhada mudança do regime sociopolítico do país, que Fidel vê como a única transfusão de sangue capaz de levá-lo ao terceiro milênio.
Para o MST, há muito tempo as invasões deixaram de ser um meio de obter terra para quem não tem. Nem são um meio de promoção política. Ele é, repetimos, um movimento revolucionário, que se vale dos momentos eleitorais para atuar mais intensamente.
E, em todos esses episódios, como fica o ministro Jungmann? Sua atuação será só ingenuidade? A sua origem, comunista que era, é revolucionária, "irmã" mais velha do fidelismo do MST. Portanto, sabe ou deve saber das coisas em matéria de agitação e propaganda.
Será que ele não distingue mais uma opção eleitoral de um movimento revolucionário? Na verdade, sua missão no governo -e nisso fracassa- é "amenizar" o MST. A idéia é que o presidente não seja obrigado, conforme o grau de audácia do movimento, a usar do disposto no art. 142 da Constituição, chamando as Forças Armadas para restabelecer a lei e a ordem, com o que as fortaleceria aos olhos da nação. O presidente não quer fazer isso nem que todas as vacas do país tussam.
Porém tratar o MST como se fosse um movimento social quando ele é revolucionário (sua tática é a desmoralização total do princípio da autoridade) é não só fracassar redondamente, mas passar por ingênuo, mesmo sem o ser.
Mas a "ingenuidade" não termina aí. O ministro afirma, em entrevista de página inteira, que o Incra não tem condições de vistoriar todas as fazendas disponíveis para a reforma agrária e, por isso, pretende entregar essa tarefa ao MST. É o mesmo que incumbir assaltantes de banco da vistoria prévia de caixas, instalações e cofres bancários.
Isso é, na verdade, pura política, para tentar impedir que o MST seja uma verdadeira pedreira no sapato do presidente e crie dificuldades à reeleição. Ao mesmo tempo, agita-se no sentido de destruir o poder político dos agricultores, cujo fortalecimento não interessa ao governo ou aos tucanos.
Assim, MST e Incra estão fazendo só política. O primeiro vai mais longe e faz política revolucionária. O segundo tenta evitar que se feche a porta à reeleição e que se torne necessária uma alternativa fora do controle do governo e do PSDB. Isso acabará sendo necessário para que Lula não capitalize os desarranjos, apesar de ser tido pela população como um homem que atrapalha.
Pelo visto, o problema asiático não é o mais grave para a candidatura FHC, mas sim o drama "MST contra Incra", para ver quem controla o movimento de massas dos sem-terra. Pouco importa, para ambos, a verdadeira reforma agrária. É o embate entre a esquerda "neoliberal" e a esquerda "neo-socialista". A pergunta é se os demais vão ficar na posição de espectadores.

José Carlos Graça Wagner, 67, advogado, é diretor da Associação Comercial de São Paulo, presidente do Instituto Brasileiro pela Liberdade Econômica e Desenvolvimento Social (SP), presidente do Conselho Curador da Fundação Cásper Líbero e coordenador de Assuntos Internacionais do Instituto Tancredo Neves.



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