São Paulo, Sábado, 20 de Março de 1999
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Corvo di Salaparuta

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - No princípio, julgava conhecer vinhos. Alguns anos no exterior e aprendera o básico. Não tendo pela frente um entendido, ele até que fazia boa figura. Quando não sabia, inventava. Fazia sucesso proporcional à ignorância do parceiro, principalmente da parceira.
Até que fez aquela estranhíssima viagem pela Umbria, a taberna em Perugia onde a moça, que gostava mais de cerveja, apanhou por distração a carta de vinhos e começou a ler o nome da extensa produção vinícola italiana, nomes complicados, alguns complicadíssimos.
Ele estava disposto a pedir um chianti honesto, feito ali perto, na Toscana, velha rival da Umbria, até hoje brigam para saber se Rafael deve pertencer à escola de Perugia ou de Florença.
De repente, a moça deu uma gargalhada: ""Olhe, tem aqui um vinho que se chama Corvo di Salaparuta. Este eu topo". Ele se lembrou de um filme de Billy Wilder em que os amantes encaram esse vinho ao som de uma canção dos anos 30: ""Un'Ora Solo Ti Vorrei".
Comanda o vinho (na Itália, não se deve pedir, mas comandar -ninguém fica ofendido). Para honrar o vinho, ele manda descer um cardápio extenso e variado, um daqueles pratos deverá combinar com o vinho. E se não combinar, tudo bem, ela nem iria perceber.
Beberam em silêncio, com vontade de rir não do vinho, mas do nome do vinho. Ela gostou tanto que pediu mais uma garrafa. Haviam planejado dar um pulo em Gubbio, ver o belo Palazzo dei Consoli, de 1350.
Trôpega, os olhos brilhando como nunca brilharam antes, ela levantou da mesa e declarou que o palácio dos cônsules podia esperar outros 1.350 anos. Quem não podia esperar era ela.
Felizmente, ele se prevenira com a solércia dos interessados: bebera pouco, só o suficiente, para entrar no clima. Grande vinho, grandíssimo vinho!


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