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Corvo di Salaparuta
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - No princípio, julgava
conhecer vinhos. Alguns anos no exterior e aprendera o básico. Não tendo
pela frente um entendido, ele até que
fazia boa figura. Quando não sabia,
inventava. Fazia sucesso proporcional
à ignorância do parceiro, principalmente da parceira.
Até que fez aquela estranhíssima
viagem pela Umbria, a taberna em Perugia onde a moça, que gostava mais
de cerveja, apanhou por distração a
carta de vinhos e começou a ler o nome da extensa produção vinícola italiana, nomes complicados, alguns
complicadíssimos.
Ele estava disposto a pedir um
chianti honesto, feito ali perto, na
Toscana, velha rival da Umbria, até
hoje brigam para saber se Rafael deve
pertencer à escola de Perugia ou de
Florença.
De repente, a moça deu uma gargalhada: ""Olhe, tem aqui um vinho que
se chama Corvo di Salaparuta. Este eu
topo". Ele se lembrou de um filme de
Billy Wilder em que os amantes encaram esse vinho ao som de uma canção
dos anos 30: ""Un'Ora Solo Ti Vorrei".
Comanda o vinho (na Itália, não se
deve pedir, mas comandar -ninguém
fica ofendido). Para honrar o vinho,
ele manda descer um cardápio extenso e variado, um daqueles pratos deverá combinar com o vinho. E se não
combinar, tudo bem, ela nem iria perceber.
Beberam em silêncio, com vontade
de rir não do vinho, mas do nome do
vinho. Ela gostou tanto que pediu
mais uma garrafa. Haviam planejado
dar um pulo em Gubbio, ver o belo Palazzo dei Consoli, de 1350.
Trôpega, os olhos brilhando como
nunca brilharam antes, ela levantou
da mesa e declarou que o palácio dos
cônsules podia esperar outros 1.350
anos. Quem não podia esperar era ela.
Felizmente, ele se prevenira com a
solércia dos interessados: bebera pouco, só o suficiente, para entrar no clima. Grande vinho, grandíssimo vinho!
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