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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Páscoa, fonte de paz

CLÁUDIO HUMMES

Ainda sob o impacto dos graves acontecimentos da guerra no Iraque, nós, cristãos, celebramos a Páscoa. Essa solenidade religiosa nos fala de paz e, assim, eleva-nos acima das sangrentas e cruéis contingências bélicas, ao mesmo tempo em que nos defronta com nosso dever de trabalhar pela paz e aponta caminhos para a alcançar.
A Páscoa dos cristãos celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Jesus, morto na cruz, ressuscitou dos mortos depois de três dias, vencendo a morte e todas as causas que estão na origem da morte. O mistério da ressurreição de Jesus, por um lado, é um evento histórico constatável pelo sinal do túmulo vazio e pela realidade testemunhada dos encontros dos apóstolos com Cristo ressuscitado; mas, por outro lado, a ressurreição em seu cerne pertence ao mistério transcendente de Deus e supera a história, tornando-se assim objeto da fé religiosa, para além da razão humana.
O apóstolo Paulo, pelo ano 56 depois de Cristo, portanto relativamente pouco tempo depois da ocorrência dos fatos, escreveu aos cristãos de Corinto: "Eu vos transmiti (...) o que eu mesmo recebi; Cristo morreu por nossos pecados, segundo as escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras. Apareceu a Pedro e depois aos 12 (apóstolos)" (1, Cor, 15, 3-4).
A guerra no Iraque recolocou a humanidade diante de questões fundamentais referentes à sua sobrevivência digna no futuro. Como resolver conflitos na convivência internacional? Qual a missão da diplomacia, do diálogo, das negociações nos conflitos e como dar condições de possibilidade para a realização dessa missão? Qual o papel da ONU e como torná-la capaz de o executar? Urge uma reforma do estatuto da ONU? Nesse estatuto, o privilégio do veto concedido a algumas nações é ainda um instrumento válido?
O que dizer da recente doutrina da guerra preventiva? Como debelar o terrorismo? Como punir crimes contra a segurança internacional, sem sacrificar inocentes nem violar direitos das nações? Como proteger o meio ambiente do poder de armas cada vez mais sujas e destrutivas? Como promover o desarmamento no mundo e assegurar uma paz internacional autêntica e duradoura? Essas e muitas outras perguntas se apresentam hoje à consciência responsável de todos os cidadãos deste nosso planeta, em especial à dos líderes mundiais.


Não se pode fazer guerra em nome de Deus, em nome de uma religião. As religiões não promovem o ódio e a violência


Outro ingrediente perigoso no processo da guerra contra o Iraque foi a tentativa de envolver a religião. Foi necessária uma atitude enérgica do papa João Paulo 2º para desmascarar a tentativa, no que diz respeito ao cristianismo. Da parte do islã, também houve líderes muçulmanos que reagiram negativamente à convocação de uma guerra religiosa. De fato, não se pode fazer guerra em nome de Deus, em nome de uma religião. As religiões não promovem o ódio e a violência. Deus é amor. O que ocorreu no passado em termos de guerras religiosas foi, na nossa compreensão atual, um erro.
O que mais chamou a atenção neste conflito foi a nova doutrina da guerra preventiva. Todos perguntamos: É lícita uma guerra preventiva? Certamente uma solução melhor para a segurança internacional seria a solidariedade preventiva. É aqui que entra a mensagem da festa da Páscoa.
Com efeito, se Jesus é chamado "Príncipe da Paz", deve-se ao fato de que, segundo a fé cristã, diante dos males que o pecado infligiu à humanidade, Deus teve misericórdia e ofereceu-nos perdão e salvação através de Cristo.
Jesus, por sua morte e ressurreição, reconciliou os homens com Deus e entre si. Para tanto, precisou morrer na cruz. Morreu por amor a nós, solidarizando totalmente com a condição humana. Um amor gratuito. É deste amor que brota a verdadeira paz. Ele nos deu o exemplo. Por isso, declarou que o mundo nos reconheceria como seus discípulos, se nos amássemos uns aos outros. Um amor que inclui, obviamente, a justiça, a fraternidade, os direitos de cada um, a dignidade humana igual de todos, a solidariedade para com os pobres e sofridos, o perdão mútuo, a convivência pacífica e sem violência.
Na véspera de sua paixão e morte, Ele disse: "Dou-vos um novo mandamento -que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos" (Jo, 13, 34-35).


Dom Cláudio Hummes, 68, é cardeal-arcebispo metropolitano de São Paulo. Foi arcebispo de Fortaleza (CE) e bispo de Santo André (SP).


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