São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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MARCIO AITH

Sem saída

Depois de minar a proposta conjunta do Brasil e da Argentina de criar regras contábeis mais benéficas a investimentos de estatais, o FMI colocou mais um obstáculo à tentativa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vestir adereços desenvolvimentistas na política econômica de seu antecessor.
Sob o pretexto de debater a sugestão contábil dos presidentes Lula e Néstor Kirchner, o Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo avançou alguns sinais e traçou, de forma discreta, um diagnóstico extremamente negativo do uso da PPP (Parceria Público-Privada) em países com tradição de desperdiçar dinheiro público, como o Brasil.
Como se sabe, a PPP é um mecanismo centenário que visa possibilitar a parceria entre governos e a iniciativa privada na execução de obras de infra-estrutura, num contexto no qual os investimentos estatais são escassos.
O vértice da PPP prevê a atração do investimento privado com a promessa de remuneração pública e generosa após a conclusão de obras como hospitais, escolas, estradas e ferrovias.
Em documento cuja divulgação ainda não é certa, o FMI reconheceu como legítima a preocupação com a realização de investimentos substanciais para diminuir a brecha que existe entre a demanda de serviços de infra-estrutura e a capacidade para provê-los.
Mas deixou o recado de que a PPP não foi inventada para driblar restrições orçamentárias ou deixar "pepinos" a administrações futuras, mas, sim, para viabilizar o planejamento.
Em suma, o FMI vai dizer aquilo que o Ministério da Fazenda já havia introjetado e tentava transmitir havia meses ao ministro Guido Mantega (Planejamento), principal entusiasta da idéia: não se fabrica dinheiro fazendo PPPs e as obras têm de caber na capacidade da economia de sustentá-las.
Aos golpes do FMI contra o esforço de Lula de agregar valores sociais à ortodoxia fiscal dos tucanos soma-se outro, fatal, desferido na semana passada pelo sistema financeiro. Pressionado por bancos, o governo desistiu de flexibilizar o arrocho fiscal a partir de 2005, como prometera, porque poderia gerar dúvidas no mercado.
Essa flexibilização atendia pelo nome esdrúxulo de "superávit primário anticíclico", mecanismo que permitiria que o esforço fiscal fosse maior em anos de forte crescimento e menor nos períodos de menor atividade.
O mecanismo anticíclico foi citado na semana passada por bancos como um dos motivos para rebaixar a recomendação de investimento em títulos brasileiros. Segundo essas instituições, um país endividado precisa economizar dinheiro não só em dia de sol mas também em dia de chuva.
O governo, que vendera a idéia freneticamente durante meses, escalou Mantega para jogar a toalha publicamente -uma injustiça, já que essa idéia era mais do ministro Antonio Palocci (Fazenda) do que dele.
"Não há metodologia precisa que possa ser adotada sem dar sinais ambíguos à sociedade e ao mercado", justificou Mantega.
Os tropeços acima mostram a minúscula margem de países em desenvolvimento na condução de suas economias. Sugerem ainda que, passados 16 meses de governo, Lula ainda não achou a fórmula para manobrar essa margem.


Marcio Aith é editor de Dinheiro. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.


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