São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O muro da Rocinha

RIO DE JANEIRO - Estourou como uma bomba a idéia (já rejeitada pelo seu autor) de construir um muro isolando a Rocinha dos bairros que a circundam. Vozes indignadas lembraram o Muro de Berlim, também chamado de Muro da Vergonha, e o muro que Ariel Sharon está construindo no Oriente Médio, separando fisicamente os palestinos dos cidadãos de Israel.
Acontece que, pelo menos aqui no Rio, estamos murados há muito tempo. Muros materiais, feitos de grades em torno dos prédios, feitos de cancelas nos condomínios fechados, que obrigam os visitantes a se identificar e, em caso de suspeita, a ter os carros e embrulhos vistoriados. E, sobretudo, muros psicológicos, que erguemos individualmente na vida diária, colocando-nos em permanente alerta contra um assalto ou seqüestro.
Vivemos todos murados, pelo menos aqui no Rio. Outro dia, um amigo precisou de uma certidão num prédio onde funciona o departamento de um ministério. Só faltou pedirem que ele arriasse as calças para ver se trazia alguma arma ou droga.
É evidente que a idéia do muro foi extravagante, se levada por este lado, o da discriminação urbana. Administrações passadas já pensaram em murar as praias, impedindo o livre acesso ao mar, criando borboletas para cobrar ingresso, como acontece em alguns países da Europa.
Há, porém, um outro lado da questão. No caso específico da Rocinha, basta comparar uma foto aérea de seis anos atrás com uma tirada recentemente. Ela cresceu espantosamente em cima da mata atlântica. Praticamente ligou São Conrado à Gávea, dois bairros separados geograficamente pela maior floresta urbana do mundo. E continua avançando, sem nenhum controle, ameaçando, de um lado, o Leblon, de outro, toda a mata que forma a floresta da Tijuca.
O ideal seria a urbanização da favela, numa cidade que não tem o urbanismo como tradição. Mas alguma coisa terá de ser feita para preservar o maior patrimônio ecológico do Rio.


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