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Primavera em Tóquio
ARNALDO NISKIER
O respeito aos livros é tanto que as crianças, antes de pegá-los na biblioteca, são instruídas a lavar as mãos e tratá-los com carinho
QUEM VAI a Tóquio nesta época
do ano deve estar preparado
para viver algumas surpresas.
A primeira delas -e talvez a maior- é
a deslumbrante floração das cerejeiras, com o seu cor-de-rosa característico enchendo a vista de turistas e moradores locais. Estes comemoram o
que chamam de "sakura", que só
acontece uma vez por ano.
A segunda é a forte presença do pólen na atmosfera, essencial às cerejeiras e aos lótus, mas provocador de fortes alergias. Aprendemos que as máscaras brancas usadas por boa parte da
população se devem exclusivamente
ao fenômeno da polinização generalizada, que provém das montanhas ao
redor da capital.
Se quisermos uma terceira surpresa -e esta eminentemente cultural-
busquemos as palavras portuguesas,
aqui deixadas pelos jesuítas, no século
18. No complicado alfabeto japonês,
de 50 mil caracteres, herança sobretudo da China, encontraremos diversos na língua de Camões.
Pão é "pan", mango é "manga", sereno é isso mesmo, ainda tem o ponto
e bonito, este um peixe delicioso.
É uma sensação gostosa vir de tão
longe e sentir que estamos presentes,
neste povo de tradição milenar, com
religiões distintas como o shintoísmo,
que defende a natureza, e o budismo,
criado na Índia por Sakia Muni, e "polinizado" para a China e o Japão.
O que nos impressiona, no entanto,
é o cuidado com a educação. A escola é
para todos, de tempo integral, com
forte apoio, como elemento de enriquecimento, na programação televisiva da rede NHK, certamente das
maiores do mundo.
Mas na visita feita à Tokyo Library
for Children, numa tarde ensolarada,
aprendemos que, nas suas atividades,
a televisão não entra. "Não é preciso",
diz uma das suas diretoras, "pois estamos exatamente interessados em fortalecer o gosto pela leitura".
A biblioteca, a que comparecem
diariamente dezenas de escolares da
região, desenvolve, por intermédio de
cursos e narrativas, o interesse das
crianças. Ali encontramos livros brasileiros, como os de Roseana Kligerman Murray e Mirna Pinsky.
O processo é simples: livros são emprestados por um pequeno prazo, para estimular os pais a lerem para as
crianças (a partir dos três anos), antes
de dormir. São sobretudo contos de
fadas, os mais apreciados.
A dinâmica é sintomática: as crianças é que pedem aos pais para ler.
Quando gostam de uma história, ela é
repetida outras vezes. No dia seguinte, relatam na escola o que ouviram. E
dão a sua interpretação.
Como se vê, um hábito saudável,
que faz do Japão, com os seus 127 milhões de habitantes, um país de muitos e felizes leitores.
Aliás, o respeito aos livros é tão
grande que as crianças, antes de pegá-los na biblioteca, são instruídas a lavar as mãos e tratá-los com o maior
carinho. Coisas da cultura...
Não é de estranhar, pois, que os
principais jornais do país tenham 10 e
11 milhões de exemplares diários,
consumidos principalmente por
meio de assinaturas.
As relações com o Brasil, povo a povo, são extremamente carinhosas.
Eles têm um certo orgulho de existir,
em nossa terra, uma comunidade de
1,4 milhão de japoneses, que por aqui
encontraram terra acolhedora e de
grandes oportunidades de trabalho
(em compensação, lá vivem 300 mil
dekasseguis, que não esquecem as
suas origens brasileiras -os filhos estudam em 96 escolas que dão aulas na
língua portuguesa).
Agora, a Fundação Cultural do Japão ocupa-se do centenário da imigração japonesa para o Brasil, a partir
dos primeiros 700 que vieram no navio Kasato Maru, em 1908, aportando
em Santos, depois de 52 dias de viagem. Haverá diversas comemorações.
Só o embaixador André Amado tem
52 projetos, a maioria com bons patrocinadores. Vamos esperar que tudo se confirme.
ARNALDO NISKIER, 71, é membro da Academia Brasileira de Letras, ex-secretário estadual de educação do Rio de
Janeiro e autor do livro "O Martírio de Branca Dias".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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