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CARLOS HEITOR CONY
Elis Regina e a dengue
RIO DE JANEIRO - Deve ter sido
uma das heranças dos chamados
anos de chumbo, que duraram de
1964 a 1985. A turma que nasceu
neste período e a que veio logo após,
de 85 para cá, adotaram uma simplificação da história que dificulta o
decantado diálogo de gerações.
Tenho um amigo que me critica a
mania de abordar qualquer assunto, desde a camada de ozônio da atmosfera ao último disco do Tom Zé,
a partir das Guerras Púnicas. Gozação à parte, ele tem razão. Bem ou
mal, tenho uma vaga noção das coisas que aconteceram a partir das
expedições de Cartago contra Roma até o caso da menina que foi atirada pela janela em São Paulo.
Não é sabedoria, é apenas o acúmulo caótico de tudo o que vi, li ou
imaginei ao longo de um tempo
comprido.
Outro dia, conversei durante horas com uma jornalista de 30 e tantos anos sobre vários assuntos. Ela
ficou admirada quando eu disse que
antes de Elis Regina já havia acontecido muita coisa no mundo.
Tinha uma noção compacta de
tudo o que poderia ter havido antes,
mas, na cabeça dela, era um samba
do crioulo doido, em que Jesus era
enforcado por causa da queda da
Bastilha, Tiradentes teria dado o tiro que matou Getúlio Vargas e Noel
Rosa era o autor da "Marselhesa".
Contudo, a partir da Elis Regina,
ela sabia tudo: o nome dos iluminadores do primeiro show da Rita Lee,
o dia em que o gato do João Gilberto
se suicidou e quantos intelectuais
havia no banheiro do "Antonio's"
quando o restaurante foi assaltado
por bandidos.
Não estou fazendo apologia da
minha discutível sapiência. Até as
Guerras Púnicas, dou relativa conta
do recado. Mas, daí para trás, embaralho tudo, botando na arca de Noé
um casal de Aedes aegypti cujos
descendentes geraram uma epidemia de dengue no Rio.
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