|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Uma ofensa ao mosquito
NUNCA ME considerei dramaturgo. O que tenho é
uma grande paixão pelo
teatro. Escrevi três peças com o
simples propósito de colocar nos
corações dos atores a emoção que,
pela palavra impressa, nunca consegui transmitir aos meus leitores.
Deu certo.
Uma delas, "SOS Brasil", denunciava as mazelas que atingiam o sistema de saúde do Brasil. O público
entendeu bem, vibrou, chorou e se
revoltou contra os políticos que só
lembram dos doentes em época de
eleição.
Um dos personagens era exatamente um candidato a deputado
que se levantava às três da manhã,
de quatro em quatro anos, para discursar na fila dos hospitais do SUS,
onde se acotovelavam os pacientes
que varavam a madrugada para
serem atendidos.
Eu não poderia imaginar que,
dez anos mais tarde, eu viria assistir na vida real ao que foi encenado
no palco, ou seja, a disputa dos políticos em torno de uma tragédia humana, causada pelo descaso no
controle de uma doença trivial que
já infectou centenas de milhares de
pessoas e que envergonha a obra
magistral que o grande Oswaldo
Cruz realizou no inicio do século
passado.
A erradicação da febre amarela
envolveu o combate a vários tipos
de vetores, inclusive o mosquito
Aedes aegypti. Os recursos eram
precários, mas a saúde era encarada como uma grande riqueza do
povo. Com humildade e com patriotismo, o grande brasileiro entregou-se à uma campanha ferrenha e vitoriosa.
Hoje, depois de quase um século,
vemos as autoridades fazendo um
jogo de empurra sobre medidas
preventivas que não foram tomadas no momento certo.
Chega a ser irônico assistir à discussão sobre a cidadania do mosquito, em que uns dizem que ele é
nascido e criado no município, enquanto outros garantem que ele
tem carteira de identidade estadual, havendo ainda uma boa parcela que vê no bolso do Aedes um
passaporte nacional -e do tipo
diplomático.
Oswaldo Cruz também usou métodos militares para garantir o sucesso da campanha contra a febre
amarela. Mas o seu esforço se concentrou na prevenção da moléstia,
por ele saber, desde criança, que
era bem melhor prevenir do que
remediar.
Será que essa triste tragédia servirá de lição às nossas autoridades
sanitárias? Ou teremos de assistir,
neste ano eleitoral, ao mesmo faturamento político que o deputado
Praxedes fazia todas as noites no
palco do "SOS Brasil"?
antonio.ermirio@antonioermirio.com.br
ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES 0 escreve aos
domingos nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Elis Regina e a dengue Próximo Texto: Frases
Índice
|