São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2010

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MARCOS NOBRE

Quanto vale uma cadeira

TEM SIDO saudado como mais um sinal da neorrelevância do Brasil o fato de a política externa ter se tornado tema eleitoral. Como em outros assuntos, também aqui há exagero. Mas é fato que a situação atual tem algo de inédito.
O prolongamento da crise mundial tende a alterar os pesos relativos dos países no cenário internacional. Há uma disputa aberta por mercados e poder. A queda de braço entre os EUA e a China em torno da taxa de câmbio chinesa é apenas a face mais evidente disso no momento.
A história do Brasil foi até hoje apenas de subordinação a transformações sobre as quais a periferia normalmente não tem nenhuma ingerência. Não que a época de ajustes e adaptações tenha passado e que o país esteja agora sentado à mesa de decisões do capitalismo mundial. Mas o Brasil tem hoje de fato alguma margem de influência e de manobra. E as candidaturas presidenciais precisam dizer o que pretendem fazer com ela.
Até o momento, o Brasil fez muito barulho por nada. Oscila entre um movimento defensivo como o dos países não alinhados na época da Guerra Fria e delírios megalomaníacos de ofensividade desproporcionais ao peso real do país. Abandonou posições históricas razoáveis para cometer equívocos que vão custar caro.
Em vista da importância do gesto de Obama em relação ao desarmamento nuclear e da tradição pacifista do Brasil, o apoio ao Irã é mais do que simplesmente ridículo: é perigoso. Em vista da necessária defesa dos direitos humanos, a atuação em relação a Cuba é deplorável. Para não falar de trapalhadas como no caso de Honduras ou na invenção de siglas idiotas (que custam dinheiro) como a Unasul -que ninguém lembra o que significa.
Se há alguma lógica por trás desse posicionamento errático, ela está em que o país se dispôs a pagar qualquer preço para conseguir uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Não há dúvida de que o Brasil deve se aproveitar das fissuras entre Europa, EUA e China para fazer valer suas posições.
Mas não a qualquer custo. Não em nome de uma obsessão tão pouco realista que só conseguiu até agora embaralhar a sua imagem externa e produzir confusão e frustração.
A liderança regional pretendida pela atual política externa virá com a construção de uma imagem coesa, capaz de conquistar espaço efetivo de influência e de decisão. Não com oportunismo de ocasião, corrida armamentista e siglas fantasiosas. A mesma coisa vale para a tão cobiçada cadeira. Quando a música parar, o mais provável é que todos estejam sentados onde já estavam. E que só o Brasil tenha dançado.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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