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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A tragédia do
povo brasileiro
O momento brasileiro precisa ser
vivido e entendido à luz dos
constrangimentos persistentes que
enquadram e amesquinham o Brasil.
Avanços na história brasileira sempre foram liderados pela classe média.
Ocorreram nos momentos em que ela
deixou de ser massa de manobra de
uma plutocracia de viés colonial e passou a propor, em nome da maioria,
outra idéia do país. Todos esses episódios reorientadores caminharam na
mesma direção: mudar as estruturas
que, no Brasil, tornam as pessoas dependentes e, por serem dependentes,
pequenas.
Hoje revolução de atitudes magnifica esse papel da classe média. Grande
parte dos trabalhadores aspira à condição, de relativa independência e
prosperidade, que identificamos, historicamente, com a pequena burguesia. Vida livre de humilhação, em que
a auto-ajuda produza resultados fecundos, é o que essa gente mais quer.
Nela, a classe média encontraria o
aliado que lhe faltou.
A capacidade para efetivar essa
aliança em prol de uma transformação do país está, entretanto, comprometida pelo terror econômico e espiritual a que a classe média, tradicional
ou emergente, está submetida. Presa à
mensalidade da escola particular e ao
plano privado de saúde, cada vez mais
carente, graças à desestruturação das
carreiras públicas e das empresas públicas, de oportunidades de ascensão
meritocrática, e informada pelos ideólogos da época de que o único projeto
realista é a humanização do inevitável
por meio da justaposição de políticas
econômicas de rendição com políticas
sociais compensatórias, a classe média
não tem para onde ir. Esse é o primeiro elemento na tragédia do povo brasileiro.
A tarefa sempre foi a mesma: desenvolver práticas e instituições que enfrentassem, em favor dos objetivos de
crescimento, justiça e democracia, as
realidades soturnas de uma sociedade
tão desigual quanto a nossa. Não seria
possível copiando o que países mais
ricos e livres já haviam feito. Só seria
factível inovando na maneira de organizar a economia e o Estado. Ao contrário do que supunha o mimetismo
encabulado que contaminou os líderes da classe média, inovar nas instituições não seria refugiar-se nas ilusões de um nativismo romântico. Seria tomar assento entre as grandes nações ocidentais usando o mesmo método que elas usaram. Não perceber
que o que mais precisamos imitar no
exemplo histórico delas é o espírito de
rebeldia representa o segundo componente na tragédia do povo brasileiro.
Em que veia de inspiração podemos
deitar para nos reconstruir? Nada
mais original no Brasil do que a anarquia, devoradora de dogmas, que vibra em nossa cultura popular. De mil
maneiras diferentes, exprime a esperança de reconciliar o ideal pagão da
grandeza com o ideal cristão do amor.
A voz predominante em nossa alta
cultura, porém, foi sempre a de um ceticismo desiludido e alexandrino:
mais para Tchekov do que para Tolstói - a senilidade arvorada em sabedoria. Daí a dificuldade em traduzir
em idéias e em palavras o que há de
mais vital no Brasil. Esse é o terceiro
aspecto da tragédia do povo brasileiro.
Compreender a tragédia do povo
brasileiro é o começo do esforço de superá-la. O resto é energia para consumar o casamento da imaginação com
a política e paciência para circundar as
muralhas e soar o clarim sete vezes.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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