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CARLOS HEITOR CONY
O cinema e o viaduto
RIO DE JANEIRO - Faz tempo, participei de um debate no antigo teatro
Casa Grande, que era considerado o
templo, o Olimpo da conscientização
cívica, cujos valores eram proclamados a cada noite.
Quem frequentasse o Casa Grande
ficava admirado de, após cada debate, nada acontecer de positivo no
mundo e na pátria. A guerra do Vietnã continuava, o regime autoritário
aqui no Brasil se tornava mais forte,
o nome dos torturados corria de boca
em boca e ninguém tomava providências, apenas se debatia, citava-se
Weber, Benjamim, Lacan e Marcuse
e todos acreditavam estar salvando a
pátria e redimindo o homem.
Na noite em que lá estive, um cineasta daquele tempo provou com
relatórios oficiais que o governo gastava mais com viadutos do que com o
cinema. Um viaduto vagabundo, encurtando alguns metros de pista, custava mais do que a produção de cinco
obras-primas nativas.
Fiquei pasmo. Nunca havia pensado nisso. Não que duvidasse dos custos, cuja exposição me pareceu honesta e bem documentada. Então era
isso: o dinheiro gasto com um viaduto, um reles melhoramento urbano,
impedia as massas de se ilustrarem,
de se conscientizarem, de tomarem
conhecimento dos verdadeiros desafios pátrios e universais.
Por acaso, naquela mesma ocasião,
desabou parte do elevado da avenida
Paulo de Frontin, houve mortos e feridos. Meditei seriamente sobre as
prioridades do Estado como um todo.
Consertar o elevado (que no fundo
era um viaduto mais longo do que
outros) ou incrementar a cultura,
mais especificamente, patrocinar filmes que formassem uma verdadeira
nação de homens cultos e solidários?
Até hoje, confesso, não sei a resposta. Mas fico sabendo pelas folhas que
o debate continua. A função do Estado é construir viadutos insípidos, que
deformam a paisagem urbana e volta e meia desabam fazendo vítimas?
Ou patrocinar os altos valores da
mente humana, alimentando culturalmente o povo faminto de saber e
beleza?
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