São Paulo, sábado, 20 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Há medidas de curto prazo capazes de minorar significativamente a violência?

SIM

Ordem nos presídios

MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES

Há uma falsa noção entre nós de que a mais rápida e eficiente forma de se acabar com a violência é estabelecer uma dura repressão policial, sendo tolerável, por alguns, inclusive, a matança de pessoas (criminosas ou não). Tal medida não só é ineficiente como também é, em si, uma violência geradora de mais violência. É defendida apenas por aqueles que julgam a si e a seus familiares pessoas imunes a esse tipo de extermínio, na vã esperança de que tais atos recaiam, tão-somente, sobre a população excluída e marginalizada.
Há, porém, medidas a serem tomadas a curto prazo e que de modo legal, eficiente e produtivo podem reduzir em muito a violência. Tomemos por exemplo a violência que na última semana assolou a todos: o poderio da alta criminalidade carcerária em determinar e controlar ataques nas cidades paulistas.
Inegavelmente, essa violência teve como causa próxima a total ineficiência dos entes públicos em controlar e estabelecer disciplina e ordem dentro dos presídios. Dizer que se pode controlar a "panela de pressão" carcerária com regime prisional de isolamento e cárcere "duro" ou "diferenciado" é negar a realidade da superpopulação carcerária.
Essa violência proveniente do cárcere passa por outra forma de ver e entender o sistema penitenciário. O Estado nunca percebeu que em um ambiente de superpopulação carcerária (criado, tolerado e incentivado pelo próprio Estado) não é possível haver controle, imposição de disciplina dura e imposição de tratamento diverso para cada grupo de condenados. O Estado, porém, em todas as suas esferas, poderá tomar, rapidamente, providências para, com essa mesma estrutura prisional, sem a construção de sequer mais um presídio ou cela, resolver a questão de forma racional, legal e eficiente. As três esferas de poder deverão, então, agir de modo integrado e harmônico.
O Poder Legislativo tem em suas mãos, desde 2001, projeto de lei de reforma da Lei de Execução Penal, proposta que a atualiza e a moderniza de forma sistêmica, e não apenas pontual. Nele se aumenta o rigor disciplinar e, já em 2001, se previa como falta grave o porte de celular, além de se estabelecer um sistema de faltas disciplinares extremamente controlador e útil para tratar cada preso de forma diferenciada, fazendo com que os melhores possam progredir, e os piores, regredir no cumprimento da pena.
Esse projeto, para mostrar a sua seriedade, também defende que a progressão do regime fechado para o regime semi-aberto se realize com o cumprimento de um terço da pena, e não, como é hoje, de um sexto.
Ao Legislativo caberá, portanto, analisar e aprovar um projeto de lei que existe desde 2001. Ao Poder Judiciário, juntamente com o Ministério Público e as Defensorias, caberá fazer um mutirão para verificar a situação de todos os presos que já preencham as condições objetivas e subjetivas para progredir no sistema, o que em muito diminuiria a tensão interna nos presídios, sem com isso se correr o risco de se soltar (última fase do sistema de progressão de penas) pessoas que não tinham condições de voltar ao convívio social.
O Judiciário, também, deverá mudar sua majoritária mentalidade de que todo condenado deve ser preso. As penas alternativas (aplicáveis a crimes sem violência à pessoa) são mais eficientes e baratas para se punir e reeducar socialmente a pessoa, evitando o deletério contato com presos perigosos.
O Poder Executivo, por sua vez, pode liberar, imediatamente, mais verbas para modernizar as estruturas prisionais já existentes (adotando, por exemplo, detector de metais) e investir fortemente na seleção e capacitação de profissionais para trabalharem no sistema penitenciário, acompanhando e treinando-os periodicamente.
O Executivo deve, ainda, cumprindo a lei já existente, ensinar uma profissão ao preso para, nos últimos instantes de sua pena, proporcionar-lhe a oportunidade de um emprego e de um local para se restabelecer.
Com essas iniciativas imediatas, entre tantas outras, o poder público já eliminará muitas das causas diretas da violência que nos assolou nessa semana e dará passos para consertar definitivamente o sistema penitenciário. Porém esse primeiro passo é sempre o mais difícil, e ele consiste em que o Estado reconheça que não cumpriu seus deveres sociais e legais e que durante décadas escolheu projetos públicos equivocados. Enfim, o Estado mudará seus rumos na busca desse modo eficiente e construtivo de agir em prol de todos, e não apenas de alguns.


Maurício Zanoide de Moraes, 39, advogado, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e professor de processo penal da USP.


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