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JOSÉ SARNEY
A rabeca da Previdência
Estamos iniciando uma nova fase.
"A festa acabou, os músicos foram
embora" (Drummond). Uns poderão
lembrar o ditado popular que diz que
"chegou a hora de a onça beber água".
Outros, que é "a hora e a vez de Augusto Matraga" (Guimarães Rosa),
numa simbiose entre o saber erudito e
o popular.
É que, como todo governo, o atual
entra no mar de sua realidade. O governo democrático é sempre fruto de
uma conquista e de um desejo. Na
candidatura, para que se vença uma
eleição, qualquer que seja o seu nível,
há sempre um convite para descascar
abacaxis e para realizar tarefas mais leves, como fazer a mesma coisa com
bananas.
Já ouvi dizer que governar o Brasil é
uma coisa fácil. Eu sempre achei muito difícil, e sabe Deus as pancadas e os
solavancos que enfrentei. Mas, em
matéria de gosto, não há discussão.
Cada um tem o seu. Governar o seu
país é uma boa escolha do destino.
Uma coisa é constatar dificuldades,
outra é chorar por ela ou ficar atirando
pedras. Não chorei nem atirei pedras.
Aguentei firme.
A sociedade democrática é de conflitos. Os grupos de pressão, o choque de
interesses e o corporativismo são todos legítimos e fazem parte do jogo. A
novidade é que estamos num tempo
de baixo teor ideológico e de alta busca de resultados. A maior característica dessa nossa passagem de milênio,
impulsionada pela comunicação global e pelo fim das ideologias, é uma
óbvia práxis de que a esquerda e a direita não são irreconciliáveis. Elas podem conviver, não é uma guerra de
extermínio. Governar passou a ser, no
terreno dos modelos clássicos, convergir para o centro. É o exemplo da
Europa, onde as sociedades dos países
do antigo Leste Europeu comunista
dançam essa música entre experiências e beijos.
Na nossa América Latina, sempre
convivemos com uma grande promiscuidade entre governo, empresas e órgãos públicos. O desmonte do Estado,
com as privatizações, foi tão promíscuo quanto a montagem e a existência
das empresas estatais. Tudo o que se
dizia dessas foi pouco diante da bacia
das almas das vendas. Nosso modelo
não foi exemplar, como as novelas de
Cervantes.
O global e em marcha desmonte do
estado de bem-estar social criou tensões adicionais, atingindo as populações excluídas dos mais pobres. O medo de perder o emprego passou a ser
mais sério do que o desemprego. Cabe, portanto, restabelecer a confiança,
construindo uma rede de proteção
que evite a cruel matança dos valores
sociais promovida pelo neoliberalismo.
Daí a desconfiança com a panela de
pressão que vemos esquentar com a
reforma da Previdência. Nada pior do
que a insegurança. Insegurança de
não ter acesso à educação, à saúde e à
oportunidade de futuro.
Li no "Le Figaro", revoltado, um editorial que analisava o clima de protesto geral que vive a França com a reforma previdenciária. E perguntei-me:
"Somos ainda um Estado de Direito?".
Tenhamos paciência e cabeça fria e
exercitemos o instrumento do diálogo. É ele o caminho para a solução.
Repito a sabedoria nordestina:
"Com grito não se afina rabeca".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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