|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil e os benefícios da Alca
JERRY HAAR
Quando o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva se reunir com o presidente George W. Bush hoje, em Washington, a questão central que os dois líderes vão discutir será o comércio, mais
especificamente a Alca. Embora um largo espectro da população brasileira
continue a temer que a Alca não beneficie o país inteiro, a realidade é que o
Brasil pode ganhar muito com a Alca.
Para começar, diferentemente do que
reza a opinião popular, o mercado norte-americano é o mais aberto às exportações brasileiras, muito mais do que os
mercados europeu e asiático (mesmo
na agricultura, em que os EUA impõem
tarifas muito altas em determinadas categorias, os níveis gerais das tarifas são
um terço das praticadas pela UE e um
quarto das impostas pelo Japão). Os
EUA continuam a ser o principal destino das exportações brasileiras, e o país
envia seus bens manufaturados para lá
em vez de para a Europa, que compra
do Brasil principalmente commodities.
Embora, infelizmente, seja fato que os
produtos agrícolas e siderúrgicos são
sujeitos a barreiras comerciais, o mesmo não acontece com a maioria das exportações brasileiras. Mesmo no setor
do aço, 88% das exportações brasileiras
foram isentas do aumento de 30% nas
tarifas dos EUA anunciado no ano passado. Quanto à agricultura, os EUA não
têm outra escolha senão resolver esse
problema no processo da OMC, e não
da Alca, já que a União Européia subsidia sua produção e suas exportações
agrícolas em grau muito maior. Os subsídios na UE representam 36% da receita agrícola bruta, comparados a 18% no
caso dos EUA, e o teto dos subsídios
agrícolas na UE chega a US$ 62 bilhões,
mais de três vezes o teto nos EUA.
A Alca vai obrigar o Brasil a lidar com
seus impedimentos estruturais e institucionais de longa data -trabalhistas,
tributários, regulatórios, relativos a políticas de aposentadoria-, para que
possa competir nos mercados de exportação. Tratam-se de reformas que o Brasil deveria implementar de qualquer
maneira, mesmo que não houvesse Alca. As empresas que operam no Brasil,
tanto nacionais quanto estrangeiras,
continuam a sofrer o efeito de barreiras
administrativas e regulatórias que enfraquecem seu desempenho. As mais
notórias dessas formam a doença aparentemente incurável conhecida como
""custo Brasil" -um sistema de taxação
de empresas que é complexo, tortuoso e
repressivo, acoplado a barreiras que dificultam o acesso das empresas ao crédito. Com níveis assustadoramente baixos de exportações em relação ao PNB
(10%) e de investimentos em pesquisas
e desenvolvimento (3%), o Brasil precisa enfrentar esses obstáculos de frente.
Outro benefício da Alca é que ela vai
reduzir a dependência brasileira do
Mercosul. A TEC (Tarifa Externa Comum) tira dos setores manufatureiros a
possibilidade de encontrar fontes de
bens de capital mais baratos, mais diversificados e de qualidade maior fora
do Mercosul e eleva os custos dos produtos finais. Não devemos esquecer os
ganhos tremendos possibilitados pelo
Mercosul em seus primeiros anos e os
benefícios políticos, fiscais e de política
externa dele decorrentes. Apesar disso,
os custos do Mercosul para a competitividade nacional, industrial e corporativa são enormes. A Alca abrirá outros
grandes mercados no hemisfério, como
o México, onde EUA e Canadá desfrutam de acesso maior do que o Brasil, devido ao Nafta. A Alca vai facilitar os ciclos econômicos das exportações brasileiras, na medida em que diversificará
os mercados de exportação do país.
O mercado norte-americano é o mais aberto no mundo às exportações
brasileiras
|
A Alca vai também estimular empresas grandes e pequenas a aumentarem
suas exportações e elevaram sua produtividade e competitividade, para aproveitarem as novas vantagens que pode
trazer a liberalização do mercado hemisférico. Ganha relevância aqui o elogiável êxito do Brasil em penetrar mercados não tradicionais com seus bens
manufaturados. Entre 2001 e 2002, as
exportações para a Índia subiram 83%,
para Cingapura, 77%, e para a Nigéria e
os Emirados Árabes, quase 50%. Além
disso, a Alca levará benefícios sociais ao
país, sob a forma de mais empregos,
maior escolha para os consumidores,
inflação mais baixa (em função da concorrência) e aumento da receita tributária decorrente da atividade econômica.
A Alca não é um projeto "made in
USA", mas um acordo negociado entre
34 países. Ademais, o Brasil co-preside a
fase atual e final das negociações. O Brasil sempre superestimou os EUA como
adversários e subestimou sua própria
capacidade de os desafiar de maneira
efetiva. O Brasil é concorrente global
nos setores automobilístico, de calçados, têxtil, siderúrgico, de móveis, bens
industrializados, aviões, telefones celulares e softwares -linhas de produtos
responsáveis por 75% das exportações
brasileiras aos EUA. Algumas multinacionais brasileiras são concorrentes de
classe mundial, e multinacionais estrangeiras estão capitalizando em cima dos
trunfos brasileiros como plataforma de
exportação. As regiões mais pobres do
Brasil oferecem oportunidades ilimitadas, graças à globalização do mercado.
Embora os EUA e o Brasil estejam em
campos opostos no tocante às medidas
remediais comerciais e uma série de outras questões, um novo espírito de entendimento, flexibilidade e cooperação
vem desabrochando nos últimos meses.
Está claro que a Alca oferece uma oportunidade concreta para o Brasil estar na
vanguarda de um processo que certamente irá beneficiar a maioria de seus
cidadãos e que favorecerá seus interesses nacionais em escala global.
Jerry Haar é pesquisador sênior e diretor do
Programa Interamericano de Negócios e Mão-de-Obra do Centro Norte-Sul da Universidade de
Miami (EUA).
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Carlos Henrique de Brito Cruz: A universidade pública e a Previdência Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|