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São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil e os benefícios da Alca

JERRY HAAR

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reunir com o presidente George W. Bush hoje, em Washington, a questão central que os dois líderes vão discutir será o comércio, mais especificamente a Alca. Embora um largo espectro da população brasileira continue a temer que a Alca não beneficie o país inteiro, a realidade é que o Brasil pode ganhar muito com a Alca.
Para começar, diferentemente do que reza a opinião popular, o mercado norte-americano é o mais aberto às exportações brasileiras, muito mais do que os mercados europeu e asiático (mesmo na agricultura, em que os EUA impõem tarifas muito altas em determinadas categorias, os níveis gerais das tarifas são um terço das praticadas pela UE e um quarto das impostas pelo Japão). Os EUA continuam a ser o principal destino das exportações brasileiras, e o país envia seus bens manufaturados para lá em vez de para a Europa, que compra do Brasil principalmente commodities.
Embora, infelizmente, seja fato que os produtos agrícolas e siderúrgicos são sujeitos a barreiras comerciais, o mesmo não acontece com a maioria das exportações brasileiras. Mesmo no setor do aço, 88% das exportações brasileiras foram isentas do aumento de 30% nas tarifas dos EUA anunciado no ano passado. Quanto à agricultura, os EUA não têm outra escolha senão resolver esse problema no processo da OMC, e não da Alca, já que a União Européia subsidia sua produção e suas exportações agrícolas em grau muito maior. Os subsídios na UE representam 36% da receita agrícola bruta, comparados a 18% no caso dos EUA, e o teto dos subsídios agrícolas na UE chega a US$ 62 bilhões, mais de três vezes o teto nos EUA.
A Alca vai obrigar o Brasil a lidar com seus impedimentos estruturais e institucionais de longa data -trabalhistas, tributários, regulatórios, relativos a políticas de aposentadoria-, para que possa competir nos mercados de exportação. Tratam-se de reformas que o Brasil deveria implementar de qualquer maneira, mesmo que não houvesse Alca. As empresas que operam no Brasil, tanto nacionais quanto estrangeiras, continuam a sofrer o efeito de barreiras administrativas e regulatórias que enfraquecem seu desempenho. As mais notórias dessas formam a doença aparentemente incurável conhecida como ""custo Brasil" -um sistema de taxação de empresas que é complexo, tortuoso e repressivo, acoplado a barreiras que dificultam o acesso das empresas ao crédito. Com níveis assustadoramente baixos de exportações em relação ao PNB (10%) e de investimentos em pesquisas e desenvolvimento (3%), o Brasil precisa enfrentar esses obstáculos de frente.
Outro benefício da Alca é que ela vai reduzir a dependência brasileira do Mercosul. A TEC (Tarifa Externa Comum) tira dos setores manufatureiros a possibilidade de encontrar fontes de bens de capital mais baratos, mais diversificados e de qualidade maior fora do Mercosul e eleva os custos dos produtos finais. Não devemos esquecer os ganhos tremendos possibilitados pelo Mercosul em seus primeiros anos e os benefícios políticos, fiscais e de política externa dele decorrentes. Apesar disso, os custos do Mercosul para a competitividade nacional, industrial e corporativa são enormes. A Alca abrirá outros grandes mercados no hemisfério, como o México, onde EUA e Canadá desfrutam de acesso maior do que o Brasil, devido ao Nafta. A Alca vai facilitar os ciclos econômicos das exportações brasileiras, na medida em que diversificará os mercados de exportação do país.


O mercado norte-americano é o mais aberto no mundo às exportações brasileiras


A Alca vai também estimular empresas grandes e pequenas a aumentarem suas exportações e elevaram sua produtividade e competitividade, para aproveitarem as novas vantagens que pode trazer a liberalização do mercado hemisférico. Ganha relevância aqui o elogiável êxito do Brasil em penetrar mercados não tradicionais com seus bens manufaturados. Entre 2001 e 2002, as exportações para a Índia subiram 83%, para Cingapura, 77%, e para a Nigéria e os Emirados Árabes, quase 50%. Além disso, a Alca levará benefícios sociais ao país, sob a forma de mais empregos, maior escolha para os consumidores, inflação mais baixa (em função da concorrência) e aumento da receita tributária decorrente da atividade econômica.
A Alca não é um projeto "made in USA", mas um acordo negociado entre 34 países. Ademais, o Brasil co-preside a fase atual e final das negociações. O Brasil sempre superestimou os EUA como adversários e subestimou sua própria capacidade de os desafiar de maneira efetiva. O Brasil é concorrente global nos setores automobilístico, de calçados, têxtil, siderúrgico, de móveis, bens industrializados, aviões, telefones celulares e softwares -linhas de produtos responsáveis por 75% das exportações brasileiras aos EUA. Algumas multinacionais brasileiras são concorrentes de classe mundial, e multinacionais estrangeiras estão capitalizando em cima dos trunfos brasileiros como plataforma de exportação. As regiões mais pobres do Brasil oferecem oportunidades ilimitadas, graças à globalização do mercado.
Embora os EUA e o Brasil estejam em campos opostos no tocante às medidas remediais comerciais e uma série de outras questões, um novo espírito de entendimento, flexibilidade e cooperação vem desabrochando nos últimos meses. Está claro que a Alca oferece uma oportunidade concreta para o Brasil estar na vanguarda de um processo que certamente irá beneficiar a maioria de seus cidadãos e que favorecerá seus interesses nacionais em escala global.


Jerry Haar é pesquisador sênior e diretor do Programa Interamericano de Negócios e Mão-de-Obra do Centro Norte-Sul da Universidade de Miami (EUA).

Tradução de Clara Allain



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