São Paulo, Domingo, 20 de Junho de 1999
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O Fundef e a fiscalização dos recursos do ensino


Não é justo um município pensar só no seu umbigo e desprezar docentes e alunos das cidades vizinhas


PAULO RENATO SOUZA

Sem uma política abrangente, que atacasse a raiz dos problemas, o ensino fundamental acumulou reveses por décadas. Sofria, renitente, de muitos problemas: repetência e evasão escolares altas, falta de vagas, professores despreparados, livros didáticos desatualizados, atrasados e com erros, entre outros. Padecia, principalmente, de brutal desigualdade no acesso aos recursos, problema que a vinculação constitucional para a educação não resolveu.
Assim, esse nível de ensino mereceu nossa total atenção nos primeiros quatro anos de ministério. Com ações simples, mas eficazes, os problemas têm sido superados, com resultados reconhecidos pela comunidade, pela imprensa e por organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Unesco. Mas, sem dúvida, a mais importante solução foi o Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
O Fundef equacionou o problema do financiamento, apontando um caminho promissor para as redes de ensino. A redistribuição dos recursos estaduais e municipais é feita, agora, por um critério mais que justo: o número de alunos. Acabou aquela história de poucas cidades com receita alta oferecerem, só elas, boa educação e uma maioria ter de se virar com o quase nada arrecadado.
A novidade veio como emenda ao artigo da Carta que obriga prefeitos e governadores a aplicar 25% de suas receitas em educação. Com ela, ambos devem destinar 15 pontos do percentual citado exclusivamente ao ensino fundamental (60% para salários e o restante para investimentos e manutenção).
O dinheiro segue para o fundo e é redistribuído sem sair do Estado, tendo de atingir, por ora, o mínimo de R$ 315 por aluno/ano. Quando isso não ocorre, a União faz a complementação até esse valor. Como resultado (aferido em levantamentos da Fipe/USP e da Unicamp), aumentaram muito os salários dos professores, os investimentos, a escolarização, a municipalização da oferta de vagas, os planos de carreira e as matrículas, hoje em 96% na faixa etária de 7 a 14 anos. Promoveram-se, de chofre, justiça social, equidade, descentralização e ensino de qualidade.
Por seus ganhos evidentes, o Fundef deveria ter a unanimidade dos gestores públicos. A maciça maioria dos prefeitos e governadores o apóia, mas alguns resistem, até com ações na Justiça. Alegam "perder" com o repasse a outros municípios ou dizem que o mínimo aluno/ano é baixo. Insistimos: não é coerente falar em "perdas". Não é justo, por exemplo, um município pensar só no seu umbigo e desprezar docentes e alunos das cidades vizinhas, virando as costas à cidadania além de suas fronteiras geográficas. Não é o que se espera, creio, do Brasil do novo milênio, que queremos desenvolvido e moderno. A Justiça não tem, felizmente, acatado as poucas ações contra o fundo.
É preciso ter nítido, porém, que quase metade das redes municipais (2.703 municípios) teve com o fundo, no conjunto, R$ 2 bilhões a mais nos recursos destinados ao ensino fundamental. Esses municípios respondem pela matrícula de 88% dos alunos da rede municipal do país, ou seja, 10,9 milhões de estudantes. Em contraste, os municípios que repassam recursos atendem a apenas 12% dos alunos da rede. A situação, mais confortável que no passado, tende a melhorar. Repassamos às redes um volume enorme de recursos extras pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. É uma quantia que engrossa muito os investimentos. Só em 1998, foram R$ 2,5 bilhões.
Ultimamente, têm-nos preocupado denúncias de que prefeituras estão desviando recursos do fundo. Elas geraram até uma CPI no Ceará e causam em todos, creio, a mais profunda indignação, embora demonstrem que estão funcionando os mecanismos de controle e fiscalização criados pela lei do Fundef. Não permitiremos que essa importante conquista seja desmoralizada. Contamos, para isso, com o trabalho dos tribunais de contas da União, dos Estados e dos municípios e apoiaremos as investigações estaduais, como fizemos com o Ceará. Sendo o caso, não hesitaremos em acionar o Ministério Público contra quem fraudar o Fundef.
Para dar gás a esse movimento, desencadeamos anteontem uma campanha pela mídia, mostrando o vasto ganho social que é o fundo. Vamos sensibilizar secretarias da Educação, sindicatos de professores, associações de pais e mestres, sindicatos, parlamentares, todos os envolvidos. Detalharemos os benefícios do Fundef e os procedimentos para garantir a correta aplicação dos seus recursos, hoje feita formalmente pelos conselhos de controle e acompanhamento do Fundef, já presentes em 80% dos municípios. Contamos com todos para fiscalizar o bom uso desse patrimônio da educação, pelo qual a sociedade tanto tempo ansiou e que, agora, é uma frutífera realidade para quem tem olhos para vê-la.


Paulo Renato Souza, 53, economista, é ministro da Educação. Foi reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) de 1986 a 90 e secretário da Educação do Estado de São Paulo (governo Montoro).




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