São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A fome e o "vírus"

A situação de fome em que vivem muitos brasileiros está sendo cada vez mais estudada. A fome é fruto da distribuição iníqua de bens e da consequente desigualdade social. O empenho para enfrentar a fome é apresentado no documento da CNBB "Exigências Evangélicas e éticas da superação da miséria e da fome" (doc. 69, abril-2002). O texto está sendo utilizado como instrumento de reflexão e de ação em todas as comunidades paroquiais e em muitas outras entidades que partilham do mesmo ideal.
Nesse texto, que acolhe o estudo de especialistas, indicam-se como razão da fome, além da distribuição iníqua de bens e de recursos, a excessiva especulação financeira -que dificulta os empréstimos e reduz sempre mais as iniciativas de oferta de emprego- e o peso do pagamento das dívidas externa e interna. Há também fatores complementares, como as várias formas de desperdício, que impedem que o alimento produzido chegue à mesa do pobre.
É certo que, para vencer o flagelo da fome, muito ajuda, como medida imediata, a oferta de cestas básicas -entregues a famílias carentes ou acrescentadas aos salários menores. No entanto isso não basta. Vão, assim, surgindo iniciativas mais eficazes, como as que favorecem a educação e a colaboração entre os empobrecidos, assegurando, assim, que eles mesmos se tornem protagonistas e administradores de seu próprio desenvolvimento. A criatividade de nosso povo tem se revelado nos múltiplos empreendimentos de produção de renda.
Em nível mais estrutural, é preciso apressar as medidas governamentais e as leis que procuram estabelecer as políticas públicas sociais como prioridade dos planos e orçamentos: acesso à água e à terra, saneamento, atendimento à saúde, melhoria de estradas, casas populares e outros.
É preciso não esmorecer na realização desse "mutirão nacional de superação da fome". Muito ajudará encontrar formas de parceria e de trabalho integrado que una as várias entidades governamentais e não-governamentais.
No entanto, entre as causas da desigualdade social e da fome consequente, há algo mais pernicioso que nem sempre percebemos e a que alude o documento da CNBB (nš 16). Trata-se de um "vírus" que penetra no imaginário e no inconsciente coletivo do nosso povo.
Nos hospitais, dá-se muita atenção ao estado pós-operatório para evitar as infecções que debilitam e até destroem a resistência do paciente. Em nossa sociedade, difundiu-se como um "vírus" a concepção falaciosa de que o "dinheiro é que faz felicidade" -mesmo atropelando valores morais. A infecção é grave, porque atinge ricos e "cria nos pobres o sonho de ascender a uma sociedade opulenta, imitando os padrões de consumo da minoria enriquecida". Essa concepção está na base do egoísmo, que tudo atrai para si, da acumulação doentia de bens, do consumismo e da exclusão social.
Qual o antídoto contra esse "vírus" que descontrola a convivência humana? A resposta está no amor ao próximo que Jesus Cristo nos ensina e comunica. Aqui se insere a missão própria da Igreja. Diante da ação penetrante e deletéria desse "vírus", temos de abrir o coração à mensagem do Evangelho que nos leva à conversão interior, ao desapego dos bens materiais, à solidariedade e partilha fraterna, à opção por uma vida simples e saudável e à esperança da vida eterna e feliz. Sem o amor fraterno não será possível a distribuição equitativa dos recursos e a superação das desigualdades sociais. Só o amor verdadeiro libertará a humanidade da fome.


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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