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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA
A fome e o "vírus"
A situação de fome em que vivem muitos brasileiros está sendo cada vez mais estudada. A fome é
fruto da distribuição iníqua de bens e
da consequente desigualdade social. O
empenho para enfrentar a fome é
apresentado no documento da CNBB
"Exigências Evangélicas e éticas da superação da miséria e da fome" (doc.
69, abril-2002). O texto está sendo utilizado como instrumento de reflexão e
de ação em todas as comunidades paroquiais e em muitas outras entidades
que partilham do mesmo ideal.
Nesse texto, que acolhe o estudo de
especialistas, indicam-se como razão
da fome, além da distribuição iníqua
de bens e de recursos, a excessiva especulação financeira -que dificulta
os empréstimos e reduz sempre mais
as iniciativas de oferta de emprego-
e o peso do pagamento das dívidas externa e interna. Há também fatores
complementares, como as várias formas de desperdício, que impedem
que o alimento produzido chegue à
mesa do pobre.
É certo que, para vencer o flagelo da
fome, muito ajuda, como medida
imediata, a oferta de cestas básicas
-entregues a famílias carentes ou
acrescentadas aos salários menores.
No entanto isso não basta. Vão, assim,
surgindo iniciativas mais eficazes, como as que favorecem a educação e a
colaboração entre os empobrecidos,
assegurando, assim, que eles mesmos
se tornem protagonistas e administradores de seu próprio desenvolvimento. A criatividade de nosso povo tem
se revelado nos múltiplos empreendimentos de produção de renda.
Em nível mais estrutural, é preciso
apressar as medidas governamentais e
as leis que procuram estabelecer as
políticas públicas sociais como prioridade dos planos e orçamentos: acesso
à água e à terra, saneamento, atendimento à saúde, melhoria de estradas,
casas populares e outros.
É preciso não esmorecer na realização desse "mutirão nacional de superação da fome". Muito ajudará encontrar formas de parceria e de trabalho
integrado que una as várias entidades
governamentais e não-governamentais.
No entanto, entre as causas da desigualdade social e da fome consequente, há algo mais pernicioso que nem
sempre percebemos e a que alude o
documento da CNBB (nš 16). Trata-se
de um "vírus" que penetra no imaginário e no inconsciente coletivo do
nosso povo.
Nos hospitais, dá-se muita atenção
ao estado pós-operatório para evitar
as infecções que debilitam e até destroem a resistência do paciente. Em
nossa sociedade, difundiu-se como
um "vírus" a concepção falaciosa de
que o "dinheiro é que faz felicidade"
-mesmo atropelando valores morais. A infecção é grave, porque atinge
ricos e "cria nos pobres o sonho de ascender a uma sociedade opulenta,
imitando os padrões de consumo da
minoria enriquecida". Essa concepção está na base do egoísmo, que tudo
atrai para si, da acumulação doentia
de bens, do consumismo e da exclusão social.
Qual o antídoto contra esse "vírus"
que descontrola a convivência humana? A resposta está no amor ao próximo que Jesus Cristo nos ensina e comunica. Aqui se insere a missão própria da Igreja. Diante da ação penetrante e deletéria desse "vírus", temos
de abrir o coração à mensagem do
Evangelho que nos leva à conversão
interior, ao desapego dos bens materiais, à solidariedade e partilha fraterna, à opção por uma vida simples e
saudável e à esperança da vida eterna e
feliz. Sem o amor fraterno não será
possível a distribuição equitativa dos
recursos e a superação das desigualdades sociais. Só o amor verdadeiro libertará a humanidade da fome.
Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos
sábados nesta coluna.
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