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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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TEATRO DE GUERRA

Com saldo de 11 mortos, mais uma guerra entre facções do tráfico teve lugar no Rio de Janeiro, envolvendo a disputa pelo controle de pontos de drogas nas favelas de Parada de Lucas e Vigário Geral. O domínio de territórios inteiros por grupos do crime organizado, como os famigerados Comando Vermelho e Terceiro Comando, não é novidade, mas continua em expansão.
Para os que ainda se iludem, acreditando que esse fenômeno seja característico do Rio, basta lembrar reportagem recente da Folha mostrando como em bairros da periferia paulistana traficantes impõem sua lei, determinando horários para visitas e circulação de pessoas.
Em áreas mais pobres das grandes cidades, nas quais a presença do Estado como promotor da cidadania é praticamente nula, verificando-se quase somente em ações repressivas, as condições para a proliferação de atividades ilegais têm sido extremamente propícias. Num ambiente de persistente e elevado desemprego, o tráfico de drogas acaba recrutando cada vez mais jovens.
O quadro da violência ligada ao narcotráfico envolve, ainda, fatores como o desaparelhamento das polícias, os atrativos da corrupção, a difícil vigilância sobre as fronteiras, o congestionamento da Justiça, a precariedade do sistema penitenciário e a crescente demanda por drogas. Mencione-se, além disso, o fato de que as autoridades parecem atuar constantemente com atraso em relação aos avanços da criminalidade. Muitas vezes preferem o brilho midiático de uma ação espetacular ao trabalho sistemático de enfrentamento do crime e de suas causas.
Diante de cenário tão problemático, é ilusório acreditar na existência de alguma grande "solução". A complexidade da questão sugere que o país ainda poderá conviver longamente com os efeitos nocivos da presença do narcotráfico. Além, portanto, de clamar por medidas drásticas e definitivas, seria realista cobrar maior empenho e coordenação entre as diversas esferas envolvidas.
A expansão do narcotráfico não pode ser combatida apenas de forma pulverizada, com ações locais, quase sempre ineficientes, de repressão a chefetes, quadrilhas e pontos-de-venda. Trata-se de um drama de dimensão nacional, a exigir a articulação de diversas instâncias públicas com vistas a implantar políticas que, em seu conjunto, enfrentem a situação. Pois é disso que se trata: enfrentar um estado de coisas que vai transformando parte das grandes cidades brasileiras em teatro de guerra.
O Ministério da Justiça tem procurado costurar acordos com Estados e dá sinais de perceber as proporções do problema. É preciso, no entanto, avançar. Ao aparelhamento das polícias, à reforma do sistema penitenciário e às mudanças na legislação penal é imprescindível acrescentar o investimento público em cidadania.
Os grandes "complexos" de favelas estão a exigir políticas ativas. É indispensável que o Estado apareça nessas áreas sob a forma de saneamento básico, melhoria habitacional, educação, saúde, lazer e infra-estrutura urbana. Não é admissível que o país continue assistindo, impotente, à transformação desses imensos bairros pobres em cidadelas da criminalidade. É inaceitável que populações inteiras sejam utilizadas como escudo para o narcotráfico e que parcela delas, por medo, revolta ou falta de opção, venha a aderir à lei do crime organizado. A sociedade brasileira precisa urgentemente começar a mudar essa perigosa realidade.


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