UOL




São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DOUTRINA EM XEQUE

Enquanto George W. Bush e Tony Blair buscam reunir o que sobrou da argumentação usada para invadir o Iraque, agora dizendo que a guerra terá valido a pena mesmo se jamais forem encontradas as alegadas armas de destruição em massa, o quadro no território iraquiano desagrega-se aceleradamente.
O comando norte-americano já reconhece que suas tropas não enfrentam ações isoladas, mas, sim, resistência treinada em táticas de guerrilha. Ao aviso de Washington de que a permanência no Iraque será estendida, soldados responderam com um desânimo que faz lembrar a campanha no Vietnã. Um deles declarou à televisão que, se estivesse diante do secretário da Defesa, "eu lhe perguntaria por que ainda estamos aqui".
Aos reveses militares soma-se a dificuldade em estabelecer alguma forma de governo local que, embora sem poder de fato, consiga administrar um país destruído -onde, de acordo com a Human Rights Watch, cresce a violência contra as mulheres e em especial o número de estupros. Visto pela população como representante dos interesses dos EUA, o recém-empossado Conselho de Governo não pararia em pé sem a ocupação anglo-americana.
Sobre todas essas vicissitudes paira o fantasma de Saddam Hussein. O ditador deposto junta-se a Osama bin Laden na galeria de arquiinimigos que os EUA, a despeito de seu poderio, ainda não conseguiram localizar. Na ofensiva militar encerrada em 1º de maio, os aliados deslocaram-se do sul do Iraque até Bagdá. Nesse trajeto, pouco combate travaram com as tropas leais a Saddam, estacionadas ao norte no chamado "triângulo sunita". É esse o núcleo da resistência às forças de ocupação.
Nos EUA, pesquisas em série indicam a crescente impaciência da opinião pública, em parte fundada nas evidências de que o governo mentiu, mas principalmente motivada pelas mortes quase diárias de soldados norte-americanos -que já superam as da Guerra do Golfo.
Primeiro experimento prático da chamada doutrina Bush, que prega "ações preventivas" contra países supostamente capazes de atingir a segurança norte-americana, o Iraque revela-se problema cada dia maior.
O Pentágono estuda treinar forças de segurança privadas para aliviar os soldados de parte de suas atribuições. Na sexta-feira, Washington defendeu publicamente, pela primeira vez, um "papel maior" no país para a ONU -o mesmo organismo ignorado na hora de atacar e posto de lado no momento de decidir quem mandaria no território ocupado.
É certo que os EUA não querem nem podem, ao menos no momento, retirar-se do Iraque. Mas, disposto a reeleger-se em 2004, Bush buscará "socializar" prejuízos para minimizar os riscos de derrota.


Texto Anterior: Editoriais: TEATRO DE GUERRA
Próximo Texto: Madri - Clóvis Rossi: A sacralidade da burrice
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.