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São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

CPMF, Cide e desenvolvimento

As dificuldades financeiras de Estados e municípios não se devem apenas ao momento recessivo por que passa a economia nacional. Em parte são consequência dos seus erros do passado que a União absorveu. Concedeu-lhes importantes subsídios ao federalizar as suas dívidas que devem pagar agora com 13% da sua receita. O que se pode discutir é o indexador escolhido para a correção do saldo, que é o IGP-DI, o mesmo utilizado para reajustar as tarifas públicas dos setores privatizados. Todos sabem que o IGP-DI não é um índice. É a soma de três índices (custo de vida, atacado e construção) ponderados mais ou menos arbitrariamente há mais de 40 anos. Os três índices (e portanto o IGP-DI) convergem, no médio prazo, para os mesmos números, mas suas divergências pontuais (por exemplo, por conta de uma desvalorização cambial acentuada) se acumulam no estoque da dívida. Aqui, não há nada que possa ser feito a curto prazo. Por outro lado, é óbvio que nem nos Estados (com uma ou outra exceção) nem nos municípios tem sido feito qualquer esforço para reduzir as despesas de custeio.
Mais escandaloso foi o procedimento da União nos últimos oito anos: o PIB cresceu 2% ao ano e as despesas de custeio 6%! Essas despesas "fixas" (não vinculadas à receita) ameaçam o administrador com as punições da Lei de Responsabilidade Fiscal quando ocorre flutuação no nível de atividade.
Esta última obriga a todos: à União, aos Estados e aos municípios. Teriam, então, razão, os entes federados, ao forçarem a repartição da receita proveniente da CPMF ou da Cide, com o argumento de que "querem aumentar seus investimentos"? Isso é o que resta provar. Em primeiro lugar, a CPMF tem destino próprio (saúde, pobreza) que não deve ser alterado. Mas onde ocorrem tais gastos? Na União, nos Estados ou, mais propriamente, nos municípios? É claro que todos os gastos ocorrem onde a população vive, isto é, nos municípios. Não existe nenhum dispêndio da União ou dos Estados que não se realize em "algum" município. O caso da Cide tem um agravante. Ele é um "imposto regulatório", destinado a "estabilizar", tanto quanto seja possível, o custo da energia derivada do petróleo. Um pedaço da Cide, cujo montante depende das variações do preço do petróleo, será mesmo aplicado pela União nos municípios (ou seja nos Estados) para a construção e a conservação de estradas. Em outras palavras: a CPMF já é e a Cide será, necessariamente, aplicada nos Estados e nos municípios, não cabendo obviamente nenhuma reivindicação como a que está sendo feita, porque os "investimentos" já se realizam aí.
O risco decorrente dessa pressão é que, se a União ceder, teremos com certeza um aumento das alíquotas da CPMF e da Cide. A CPMF é um imposto de péssima qualidade, que deve desaparecer (talvez ser reduzido a 0,01% para efeito fiscalizatório) numa verdadeira reforma fiscal. A Cide deve ser manejada com cuidado, porque a estabilidade do preço da energia é um dos fatores determinantes da escolha dos investimentos do setor privado. Qualquer aumento da carga tributária (como no caso do ISS aprovado por unanimidade no Senado) é um fator que inibirá ainda mais os investimentos e, portanto, o "espetáculo do crescimento"...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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