São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Um brasileiro a serviço da paz
CELSO AMORIM
Tarefa de ainda maior complexidade foi-lhe confiada quando Annan o nomeou chefe da Administração Interina de Timor Leste, no período crítico que antecedeu a independência timorense. Em reconhecimento aos inestimáveis serviços por ele prestados à causa humanitária e às Nações Unidas, Sérgio Vieira de Mello foi aclamado pela Assembléia Geral, em 2002, como alto comissário para Direitos Humanos. Nos meses em que exerceu o cargo, dedicou especial atenção à consolidação do Estado de Direito em países recém-saídos de conflitos armados. Em maio último, quando o Conselho de Segurança buscava cicatrizar as desavenças que o haviam imobilizado no tratamento da crise iraquiana, seu nome despontou como o candidato natural para assumir o que seria sua última e possivelmente mais difícil missão, na qualidade de representante do secretário-geral em Bagdá. Sua morte constitui um sério revés para o processo de reconstrução institucional do Iraque. Em suas mais recentes declarações, insistia na importância da rápida devolução do poder político aos iraquianos, com vistas ao pleno restabelecimento da soberania do país. O hediondo ato terrorista perpetrado ontem contra o escritório da ONU em Bagdá desfecha um golpe brutal contra aqueles que mais podem fazer pela paz na região, interrompendo um esforço incipiente, mas de resultados encorajadores, de reconciliação nacional. Tive a honra de trabalhar em parceria com Sérgio Vieira de Mello durante o período em que fui representante permanente do Brasil junto à ONU em Nova York. Ironicamente, o tema que nos aproximou na época foi a questão iraquiana. Em janeiro de 1999, quando assumi a presidência do Conselho de Segurança, acabávamos de vivenciar a interrupção das atividades dos inspetores da ONU no Iraque, e a tarefa principal que se impunha ao órgão era restabelecer um consenso mínimo entre seus membros, para garantir o cumprimento por Bagdá de suas obrigações na área de desarmamento. Foram constituídas três comissões sob minha coordenação, com o mandato de elaborar não somente recomendações para o desmantelamento da capacidade iraquiana de destruição em massa, como também diretrizes para a redução do sofrimento da população civil e para a prestação de contas quanto ao destino dos prisioneiros de guerra. Sérgio desempenhou um papel central na elaboração do relatório sobre a situação humanitária, revelando a um só tempo sua sensibilidade com relação às carências dos desvalidos e sua vocação para a identificação dos consensos possíveis. São traços que marcaram toda a sua brilhante carreira como funcionário da ONU e incansável defensor do multilateralismo. As inúmeras manifestações de consternação e pesar pelo desaparecimento precoce de Sérgio Vieira de Mello, provenientes dos mais diversos quadrantes, representam um tributo a um artesão da paz que, em suas múltiplas e árduas missões pelo mundo, soube honrar a confiança nele depositada pela comunidade internacional. Estou certo de que seu exemplo inspirará sucessivas gerações de brasileiros e brasileiras que desejam contribuir para o aperfeiçoamento da convivência entre os povos e as nações. Ao decretar luto oficial e agraciá-lo postumamente com a Ordem Nacional do Mérito, o presidente da República inscreve o nome de Sérgio Vieira de Mello no panteão de heróis que honraram o nome do Brasil. Celso Luiz Nunes Amorim, 61, é o ministro das Relações Exteriores. Ocupou a mesma pasta no governo Itamar Franco. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Mauro de Salles Aguiar: Escola é o professor Índice |
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