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São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Escola é o professor

MAURO DE SALLES AGUIAR

Tenho acompanhado , nas últimas semanas, a polêmica envolvendo os chamados CEUs (Centros Educacionais Unificados), cuja criação representa a prioridade máxima do projeto educacional da Prefeitura de São Paulo. A prefeita Marta Suplicy argumenta, em recente artigo no jornal "O Estado de S. Paulo" (6/8/03), que o conceito de educação inclusiva, defendida pela prefeitura, exige que, nas regiões mais carentes da cidade, as escolas tenham teatros, cinemas, piscinas, telecentros, música e balé, dando acesso para os mais necessitados aos equipamentos e serviços de que a elite já desfruta.
Argumenta também que cada CEU tem capacidade de receber 2.460 alunos, representando os 21 CEUs, portanto, um acréscimo de 51 mil vagas, o que minimizaria o substancial déficit na educação infantil pública da cidade, de responsabilidade do município.
O projeto educacional prioritário da Prefeitura de São Paulo parece desconhecer as experiências educacionais mais bem-sucedidas de países emergentes e também a experiência de cidades como Nova York, que, embora muito rica, possui bairros com carências de Terceiro Mundo.
Em primeiro lugar, a experiência internacional não recomenda, em áreas de grande pobreza, onde as crianças e os jovens precisam antes de mais nada de muita atenção, amor, carinho e relação afetiva, escolas grandes como essas de mais de 2.000 alunos. Em segundo lugar, os extraordinários resultados nas avaliações internacionais obtidos pelos estudantes da Coréia, Taiwan e Cuba, significativamente superiores aos franceses, ingleses e americanos, demonstram de forma inequívoca que educação de qualidade tem muito pouco a ver com instalações físicas e tudo a ver com a qualidade e a motivação dos professores.
Quando das visitas que fiz a Taiwan, Coréia e Cuba (duas vezes), para conhecer os respectivos sistemas educacionais, constatei que, nos dois primeiros, a quase totalidade das escolas é muito simples, sóbria, espartana; e em Cuba, em razão da tragédia da economia, as escolas têm instalações paupérrimas.



O grande problema da educação pública brasileira não é a qualidade dos prédios escolares

O que explica, então, o sucesso desses três sistemas educacionais, de países com cultura, economia e sistemas políticos tão diferentes? Nos três países, conhecendo as escolas, você logo percebe a incrível motivação dos professores, o foco do docente e da administração escolar na razão de tudo -o aluno-, a enorme valorização do professor pela sociedade.
O grande problema da educação pública brasileira, e particularmente de São Paulo, não é a qualidade dos prédios escolares. Na maioria das vezes, são iguais ou melhores do que os que encontrei na Coréia e em Taiwan e muito superiores aos de Cuba. O grande problema está, de um lado, na valorização insuficiente do professor pelo poder público e, de outro, em uma baixíssima cobrança por esse mesmo poder público.
Essa valorização deveria ser representada por programas de capacitação permanente, avaliação e premiação na remuneração e na carreira dos melhores e mais dedicados, premiação dos que se dispusessem a lecionar nas regiões mais necessitadas, premiação por permanência em uma mesma escola, dando continuidade aos projetos pedagógicos. Maximizar os salários e minimizar privilégios absurdos -como aposentadorias precoces que retiram prematuramente os mais experientes e qualificados professores do sistema público, limitações corporativas de jornadas de trabalho que levam em conta tudo, menos o aluno, e o inacreditável "direito" do professor de dar um número determinado de faltas por ano, uma tragédia para qualquer projeto pedagógico.
Educação de qualidade significa recursos humanos de qualidade, remunerados adequadamente, mas também igualmente cobrados.
Ninguém de bom senso irá negar a importância e a prioridade da construção de centros culturais e esportivos nas áreas mais carentes da cidade, mas, por favor, não com as verbas da educação. Apesar de, no Estado e no município de São Paulo, a legislação obrigar que o elevado percentual de 30% das receitas de impostos seja destinado à educação, o valor anual resultante em reais por aluno ainda é baixo. Para dar uma idéia, representa cerca de 10% do custo anual de um aluno de uma escola privada de elite no município de São Paulo.
Educação de qualidade é cara, e os limitados recursos têm de ser destinados com prioridade ao fator que realmente faz a diferença, o professor. E a sociedade deve, através do poder público, cobrar do professor todo o retorno do investimento que está sendo feito.

Mauro de Salles Aguiar, diretor-presidente do Colégio Bandeirantes, é membro do Conselho de Educação do Estado de São Paulo.


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