São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Inclusão e cotas raciais e sociais

MATILDE RIBEIRO

Todas as políticas de desenvolvimento devem conter a dimensão de superação das desigualdades raciais

OS CAMINHOS trilhados pelo Brasil em direção à eqüidade ganharam reforço inédito do governo federal nos últimos três anos com a adoção de políticas de inclusão, cujos efeitos são determinantes para diminuir as desigualdades sociais no país. Com essa perspectiva, o desenvolvimento de cotas sociais e raciais já contribui decisivamente para que o crescimento econômico sustentável resulte em ampliação do acesso aos serviços sociais e ao mercado de trabalho de segmentos populacionais empobrecidos e historicamente discriminados em nosso país.
A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), em 21 março de 2003, incrementou essas iniciativas e possibilitou sua ramificação em várias áreas, com efeitos práticos visíveis na sociedade brasileira.
Na educação, o Prouni (Programa Universidades para Todos) oferece 203 mil bolsas de estudo para que alunos oriundos de escolas públicas possam estudar em instituições privadas -entre eles, 63 mil negros e indígenas. Somadas a ele, 30 universidades públicas já adotam o sistema de reserva de vagas para negros e indígenas. E a implantação da lei nš 10.639, que torna obrigatório o ensino de história afro-brasileira nas escolas, ajuda a valorizar a contribuição dos imigrantes africanos e seus descentes à cultura e à economia brasileiras.
Um orçamento da ordem de R$ 2 milhões anuais está designado no Plano Plurianual (PPA 2004-2007) para a implantação da Política Nacional de Saúde da População Negra. Em dezembro de 2004, foi lançado o "Projeto Afroatitude", que, em 2005 e 2006, concedeu bolsas de iniciação científica para pesquisas sobre Aids e saúde da população negra a 1.050 estudantes cotistas negros em 11 universidades públicas.
O Plano Setorial de Qualificação de Trabalhadores Domésticos, do Ministério do Trabalho e Emprego, é uma ação que atende demandas específicas desses profissionais, como elevação de escolaridade no ensino fundamental, ampliação da proteção social e fortalecimento da representação e melhoria das condições de trabalho. É um exemplo de ação afirmativa, pois a categoria agrega cerca de 6 milhões de brasileiros, dos quais 96% são mulheres -57% delas são negras.
Entre as iniciativas que consolidam o Brasil como nação comprometida com a superação das desigualdades raciais está o projeto de lei nš 73/99, que estabelece reserva de vagas nas universidades públicas para alunos de escolas públicas, considerando a porcentagem de negros e indígenas nas unidades da Federação. E também o Estatuto da Igualdade Racial.
Fruto de um processo de debates entre políticos, pesquisadores e, sobretudo, representantes do poder público e do movimento negro, o estatuto é um projeto amplo, de orientação no sentido de que todas as políticas de desenvolvimento econômico e social devem conter a dimensão de superação das desigualdades raciais.
O texto apresentado em 1988 foi revisto no relatório de 2002, analisado e acompanhado durante dois anos por um grupo de trabalho interministerial, composto por vários órgãos do governo e coordenado pela Seppir e pela Casa Civil. Posteriormente, em novembro de 2005, o resultado desse trabalho foi aprovado no Senado.
Em seus capítulos, são dispostos temas como pesquisa, formas de prevenção e combate de doenças prevalecentes na população negra, direito à liberdade religiosa e de culto, especialmente no que diz respeito às religiões afro-brasileiras, reconhecimento e titulação das terras remanescentes de quilombos e inclusão no mercado de trabalho por meio de contratação preferencial de profissionais negros na administração pública, entre outros itens. Não se resume, portanto, ao sistema de cotas em universidades.
O projeto de lei nš 73/99 e o Estatuto da Igualdade Racial possuem o mérito de combinar critérios raciais e sociais e não divergem das ações afirmativas em curso no Brasil. Ao contrário, elevam essas ações ao patamar de políticas de estado, o que garante sua perenidade, e constituem uma orientação necessária para que as políticas universalistas contemplem também os grupos discriminados.


MATILDE RIBEIRO, 46, mestre em psicologia social, é ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Luiz Carlos Bresser-Pereira: Fundamentalismo ou nacionalismo?

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.