São Paulo, quinta, 20 de agosto de 1998

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O que é um bom programa político?



O programa de Fernando Henrique entra bem na retina e fica na memória; o programa de Lula pode resvalar na amnésia
DUDA MENDONÇA

Ao final do primeiro dia da propaganda eleitoral para a Presidência, recebi alguns telefonemas de amigos publicitários. Eles se diziam decepcionados com o programa de Fernando Henrique Cardoso. "Não inovaram nada", repetiam. "Bonito, bem produzido, mas apenas correto, nada mais...", resumiam, num coro de unanimidade surpreendente.
Nada mais? Como assim? Sinto que grande parte da turma dos publicitários ainda não percebeu bem a nova profissão de marqueteiro político. Uma tarefa de alto risco, em que o único resultado relevante é a vitória. Afinal, não existe segundo lugar, só primeiro.
Para começar, é importante entender que não existe um bom programa. Existe, sim, um programa correto e adequado à posição do candidato no ranking das pesquisas.
Achei o programa de FHC extremamente correto e eficiente. Bonito, bem-feito e cauteloso, como manda o figurino. Foi bom na defesa, antecipando-se em neutralizar pontos vulneráveis, como o desemprego e as questões sociais. E bom no meio-campo: o uso do âncora facilita toda a estrutura do programa, permitindo passar de um tema para o outro com extrema facilidade, o que ajuda a sair da defesa para o ataque rapidamente.
O maior tempo do candidato ajuda? Ajuda. Mas, se não for trabalhado de forma correta, pode ser um inimigo, não um aliado.
O programa de Lula, por sua vez, decepcionou totalmente. Apesar de bem cuidado e bem produzido tecnicamente, pecou na forma, no conteúdo e até pela ausência de uma boa música, sempre um ponto forte nas campanhas do petista.
Não defendeu, não atacou; só tocou a bola na lateral do campo. Não apresentou nenhuma proposta nem abordou o tema do desemprego -sem dúvida, o grande calcanhar-de-aquiles do seu principal adversário. Convenhamos, essa não é bem uma estratégia correta para quem está perdendo o jogo.
Segundo o relatório de pesquisas em grupo que minha empresa realizou, o programa de Ciro Gomes encantou muitos eleitores de Recife, principalmente entre simpatizantes não muito firmes de Fernando Henrique, mas também entre eleitores de Lula.
Não deixa de ser um bom começo, mesmo considerando a natural simpatia pelo candidato no Nordeste. Acho, entretanto, que, pela própria postura de Ciro e por sua posição desfavorável no ranking, ele poderia ter sido um pouco mais ousado. De qualquer forma, foi um programa correto, apesar das limitações de tempo.
Gostaria também de citar alguns destaques dos programas dos principais concorrentes, começando pelo de FHC. Pontos mais positivos: sinceridade (quando confessou que ainda não conseguiu fazer tudo o que prometeu); clareza (quando disse que precisava de mais quatro anos para fazer o que ainda não pôde fazer); credibilidade (todas as suas falas foram convincentes, bem escritas e bem dirigidas). Senti falta apenas de um refrão mais forte e mais positivo na segunda parte do jingle, fazendo um link com o tema central da campanha, que é "Avança, Brasil".
O programa de Lula, sinceramente, não teve destaques. Até a insistência no uso de atores globais foi criticada por eleitores de São Paulo (capital e interior), Rio Grande do Norte e Recife.
Acho que faltou ao programa sobretudo uma fala corajosa, sincera, ousada e surpreendente do candidato. Uma fala que viesse de dentro, que saísse do coração. Já vi Lula falando sem censura e sem teleprompter; fiquei muito impressionado com a força de seu olhar. Não senti isso no programa de ontem.
Em resumo, o programa de FHC entra bem na retina e fica na memória; o de Lula pode resvalar na amnésia. A superioridade de FHC é tão grande que, se dentro de alguns dias alguma coisa não acontecer, só a bomba atômica de Enéas vai conseguir espantar o sono dos telespectadores.

Duda Mendonça, 54, publicitário, é responsável, nesta eleição, por dez campanhas de candidatos ao governo e outras dez de candidatos ao Senado.



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