São Paulo, quinta, 20 de agosto de 1998

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As leis do mercado e as leis dos burocratas



Será que o governo, do alto da sua sapiência burocrática, consegue ensinar aos supermercados como tratar bem clientes?
PAULO AFONSO FEIJÓ

"A ignorância em ciência é uma coisa ruim. As pessoas que têm poder para tomar decisões não são cientistas, mas políticos e funcionários públicos que não entendem do que estão tratando e acabam tomando as decisões erradas." Ian Marshall
A economia é uma ciência que confunde e intriga as pessoas. Na verdade, como pode a população de São Paulo, com mais de 10 milhões de habitantes, obter o leite que procura diariamente?
São milhares de pessoas engajadas na produção e no fornecimento; mesmo sem conhecer umas às outras ou a quantidade que cada uma produz ou consome, elas fornecem dia após dia leite à população paulista, sem excessos ou faltas relevantes.
Seria um milagre? Mesmo sem uma lei que oriente produtores, vendedores e consumidores, as crianças de São Paulo não ficam sem seu leite diário -e, o que é mais incrível, mais ou menos nas mesmas quantidades que procuram.
Como assegurar às mães paulistas que podem dormir tranquilas e que, no dia seguinte, suas crianças terão o leite que costumam tomar antes de ir para a escola? Não seria o caso de pedir a intervenção do governo para que criasse decretos, leis, normas ou outro ato burocrático qualquer para evitar o risco de as criancinhas paulistas ficarem sem seu leite diário?
Em qualquer país do mundo que leve as leis econômicas a sério, isso não passaria de uma grande piada. Aqui no Brasil, porém, a piada é levada a sério. Quem não se lembra dos fiscais do governo mandando botar bois no pasto e mercadorias nas prateleiras dos supermercados -que, por paradoxal que pareça, haviam desaparecido pela própria ação do governo, ao resolver controlar os preços do leite, do pão e de tantos outros bens que vão para a mesa dos brasileiros.
Embora os supermercados sejam responsáveis por cerca de 90% do abastecimento dos gêneros de primeira necessidade, eles não conseguem influenciar essa grande engrenagem econômica, sendo apenas um dente dela.
Afinal, são mais de 40 mil lojas espalhadas por todo o Brasil, competindo vigorosamente umas com as outras nos preços, na qualidade dos produtos, na beleza das instalações e, principalmente, na agilidade e presteza do atendimento, para conquistar o beneplácito dos consumidores.
A implantação do código de barras foi um dos fatores que surgiram para atrair os clientes. Possibilitou reduzir os custos das redes supermercadistas, controlar estoques e agilizar o atendimento ao consumidor (hoje sem tempo para comprar, já que leis bastardas e sindicatos economicamente burros impedem que ele compre nos domingos e feriados, fato que, embora feito para "proteger", tira oportunidades de empregos e de ganhos).
O governo, porém, não se contenta com a "proteção" aos trabalhadores. Quer "proteger" também os consumidores. Diz que os supermercados têm de colocar o preço em cada produto que vendem. Na sua concepção, a solução que melhor atende aos interesses dos consumidores é a coexistência entre o código de barras e a fixação dos preços nos produtos.
Mas será que o governo, do alto da sua sapiência burocrática, consegue superar as leis mercadológicas e ensinar aos supermercados como tratar bem os clientes? Será que, em vez de proteger os consumidores, ele não vai desprotegê-los?
Infelizmente, a resposta é um grande sim. Tudo porque a assessoria do governo está fazendo a pergunta errada aos consumidores. Está perguntando se querem a fixação dos preços nos produtos, mas sem dizer a eles o quanto isso custa. Se dissesse, eles não iriam querer.
Aliás, isso não é pergunta para fazer, mas para ser apreciada no mercado. Quando isso é feito, vemos que, na prática do dia-a-dia, as lojas não-automatizadas, que costumam fixar os preços em cada produto, não vendem mais do que as automatizadas, que não colocam os preços nos produtos, individualmente. Ao contrário: vendem, em média, menos.
Isso porque a colocação das etiquetas envolve altos custos, que têm de ser repassados aos preços. Embora o governo ache que o rateio dos custos da etiquetagem seja feito de maneira genérica, ele tem de ser feito por produto, o que encarece sobremaneira os de baixo valor: uma caixa de fósforos leva os mesmos trabalho e burocracia que um refrigerador.
O governo faria melhor se utilizasse seu capital, sua mão-de-obra, seus insumos e sua inteligência para resolver os problemas da educação, da saúde e, principalmente, do aumento da criminalidade, que cresce de forma assustadora em nosso país. Esses problemas estão mais diretamente relacionados ao papel do Estado, em uma economia democrática, do que a função de polícia do mercado.
Porém isso não significa que os empresários supermercadistas não estejam sempre alertas para as boas idéias, principalmente as que lhes ensinem como tratar bem os clientes, desde que a medida não implique aumento de preços das mercadorias. Seria incoerente. Afinal, eles pagam altos salários a executivos financeiros e mercadológicos para que façam exatamente isso. Toda contribuição gratuita, portanto, seria bem-vinda, desde que de fato agradasse ao cliente.

Paulo Afonso Feijó, 40, é presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados).



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