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JOSÉ SARNEY
Prisioneiros
do passado
A política brasileira sempre foi
marcada pela existência de um
campo neutro, de um terreno comum, no qual o interesse público e a
sobrevivência pacífica do país sempre
encontraram margem para soluções
de compromisso. Esse espaço de convergência e de conciliação não é novo
nem é expressão de oportunismo,
mas, sim, uma face do caráter do país,
que comporta o tal "brasileiro cordial" identificado por Sérgio Buarque
de Holanda, ele mesmo expressão e
síntese desse jeito de viver.
A maneira como d. João 6º fez girar
o eixo de comando do Império português para o Brasil e o modo como, depois, deixou plantado aqui o pé firme
de d. Pedro são sinais fortes de transição pacífica para uma independência,
processo sempre traumático na história das nações. O Império, igualmente,
transitou assim para a República. A
Nova República, em 1985, para a democracia, idem. Tudo isso revela o
traço marcante da tolerância que mora na alma nacional.
Nossos recursos humanos na política sempre foram limitados, e nossas
lutas nunca foram marcadas pelo extermínio do adversário. Nunca praticamos a política e a lei dos fundamentalismos religiosos -uns condenados
à salvação e outros, à morte. Daí por
que a história do Brasil é marcada por
esses momentos de entendimento e
de conciliação. Tancredo Neves repetia sempre que a personalidade política por quem tinha a maior admiração
era Honório Hermeto Carneiro Leão,
o marquês do Paraná, justamente o
homem da conciliação.
A abolição e a República foram
construídas com esse caráter brasileiro. Quem faz a lei da abolição? Os filhos dos escravocratas, a princesa Isabel e a campanha abolicionista comandada por Joaquim Serra -a
sombra de Nabuco-, por José do Patrocínio e por outros. A República não
foge à regra. Quem a comanda e proclama é o marechal Deodoro, monarquista. Uma vez instalada, são os mesmos quadros que a ela se juntam e evitam as lutas fratricidas.
Eu mesmo testemunhei três desses
episódios marcados por esse "jeito
brasileiro". Em 1955, quando houve o
golpe militar contra Café Filho, houve
contragolpe contra o movimento que
desejava impedir a posse de Juscelino.
Outro foi a renúncia de Jânio. E, finalmente, a revolução de 64. Em todos, as
soluções evitaram confrontações. No
princípio, era apreensão. Depois, começavam os grupos a se entender e,
por fim, surgia a solução. No primeiro, o ministro Lott, do governo, aderiu
a outro grupo e assegurou a posse de
Juscelino. No segundo, saiu-se para a
fórmula parlamentarista e, finalmente, em 64, todos se reuniram, desde
Ulysses, Capanema e Amaral Peixoto
até Juscelino, Krieger e Lacerda, para
encontrar a solução da escolha do presidente Castello.
Na história do Brasil, todos os presidentes conciliadores, com as suas
idéias políticas abertas ao diálogo, sem
ódio ou revanchismos, asseguraram
períodos de prosperidade e de paz.
O caráter nacional é esse. Não cultivamos ódios nem costumes de vingança e de perseguição. Os que tiveram esses sentimentos foram contra o
sentimento nacional e pagaram um
preço muito alto.
Se perguntarmos de onde vem esse
comportamento, eu responderei que é
fruto da formação brasileira, com esse
povo mestiço, feito de várias raças,
com o gosto da convivência pacifica
entre todos.
Assim, qualquer que seja o presidente, ninguém espere que o país vire de
ponta-cabeça. Duas coisas não podem
ser violentadas: a história e a geografia. A história, que é a alma de um país,
e a geografia, que é o seu corpo.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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