São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2008

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Longo caminho

Fabricação de princípio ativo de droga contra a Aids ainda é pouco para diminuir dependência de fármacos importados

A FAÇANHA da Fiocruz ao desenvolver o princípio ativo do remédio anti-Aids mais usado no programa nacional de combate à doença, o efavirenz, deve ser interpretada sob dois ângulos.
Do ponto de vista da saúde pública e seu financiamento, constitui uma boa nova. Diante do objetivo estratégico de estimular um setor industrial de fármacos autônomo, é duvidoso que represente um passo significativo.
O feito possibilitará a fabricação no país de uma versão genérica do efavirenz, hoje importado da Índia a US$ 0,45 por pílula. Antes da licença compulsória do anti-retroviral, em maio de 2007, o Ministério da Saúde pagava mais que o triplo disso ao detentor da patente, o laboratório Merck Sharp & Dome.
A decisão de quebrar a patente veio após uma negociação fracassada. O governo almejava chegar ao preço pago na época pela Tailândia, US$ 0,65, mas a contraproposta ficou longe disso. Optou-se pela licença compulsória, em nome do interesse público, o que está previsto na lei brasileira e em tratados de proteção à propriedade intelectual.
Mais importante que economizar foi comprovar que há competência tecnológica no país para desenvolver e testar um princípio ativo. É uma condição necessária para desenvolver o setor de fármacos no país e reduzir sua dependência da importação de produtos da química fina.
Teria sido melhor demonstrar essa capacidade antes de quebrar a patente, e não mais de um ano depois. Isso teria aumentado o poder de barganha do Estado, possivelmente evitando a medida extrema. Para um país que busca atrair investimentos no setor de fármacos, licenças compulsórias emitem sinal negativo para as grandes multinacionais.
Tais empresas faturam dezenas de bilhões por ano e reinvestem até 1/5 em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Por isso são ciosas das patentes, garantia de retorno sobre o investimento.
As farmacêuticas brasileiras, apesar de avanços recentes, não têm tradição de pesquisa nem fôlego financeiro para se tornarem tão cedo de fato inovadoras. Farmanguinhos, da Fiocruz, é um laboratório público, que se associou com duas empresas privadas nacionais para desenvolver o efavirenz. Esse é o caminho: criar consórcios para aglutinar competências e ganhar escala, com foco na inovação que vá além da simples cópia de medicamentos consagrados.
O governo federal lançou em 2004 uma política industrial e tecnológica para o setor, financiada pelo BNDES. O programa foi renovado pelo banco há menos de um ano e irá até 2012, com dotação de R$ 3 bilhões. Há R$ 1 bilhão de projetos aprovados e contratados em carteira, mas a maioria é de implantação de unidades produtivas, não de P&D.
Falta muito para o Brasil conseguir repetir o exemplo da Índia. Algumas farmacêuticas do país asiático enxergaram que só tinham futuro investindo decididamente em inovação. Tornaram-se competitivas em genéricos no mercado mundial e passaram a respeitar patentes. Depois disso é que grandes empresas multinacionais reconheceram a competência indiana e levaram para lá laboratórios de P&D.


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