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Amizade e interesse
JOSÉ SERRA
Como atestam as sondagens de opinião pública, a visita do presidente
Bill Clinton recebeu uma acolhida
bastante favorável entre os brasileiros.
Admiraram-se sua humildade e sua
jovialidade (embaixada com Pelé,
tamborim e boné da mangueira),
além de comemorar-se a menção positiva que fez ao Mercosul: "Uma coisa boa para a estabilidade, para o crescimento e para a região. O Mercosul é
bom também para os Estados Unidos".
Mas em que pé ficou a criação da
Área de Livre Comércio das Américas,
a Alca? Afinal, esse foi considerado o
grande objetivo da viagem de Clinton
à América do Sul, ao menos do ponto
de vista dos Estados Unidos. Aparentemente, pouco avançou-se nesse
campo. Para o presidente norte-americano, o Brasil reiterou claramente
sua posição: "Não temos pressa".
Junto à imprensa, o governo brasileiro foi mais desinibido: "A Alca não
tem prioridade, não a queremos, preferimos discutir mais sobre mais liberalização comercial no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a
OMC".
É interessante notar, porém, que a
principal barreira à Alca não tem sido
o Brasil, apesar da posição contrária
do nosso governo. Sozinhos, não teríamos força para segurar os demais
países latino-americanos, talvez nem
mesmo alguns parceiros do Mercosul.
O grande obstáculo situa-se nos Estados Unidos, embora Clinton tenha
empunhado com vigor a bandeira da
integração das Américas. O Congresso
norte-americano -que, ao contrário
do brasileiro, tem voz e voto em matéria de comércio- resiste a acordos
desse tipo, fundamentalmente negando-se a delegar ao Executivo competência para negociar de forma rápida
("fast track") acordos comerciais
com outros países.
O próprio projeto de lei que o governo Clinton mandou ao Congresso
contraria razoavelmente os pontos de
vista dos brasileiros. Preconiza, por
exemplo, que as negociações se encerrarão no ano da Odisséia no Espaço,
ou seja 2001. Continuar as negociações depois disso, só com nova autorização.
O projeto de Clinton prevê também
que as tarifas superiores a 5% sejam
cortadas pela metade. Mesmo nesse
caso, de que adiantaria, por exemplo,
reduzir de 86% para 43% as alíquotas
que incidem hoje sobre o preço final
da laranja brasileira exportada para os
Estados Unidos?
Além disso, a mensagem da Casa
Branca não menciona blocos regionais e sublinha explicitamente a prioridade do acordo com o Chile, presumivelmente nos moldes do Nafta. Esse
é outro indicador de que o governo
norte-americano pensa construir a
Alca mediante sucessivas negociações
bilaterais com os países do continente, em vez de fazer acertos com blocos
e mediante um "pacote" final -isso
é o contrário do que deseja o nosso
país, que procura aumentar seu cacife
negociador. Aliás, é exatamente para
reforçar esse cacife que o Brasil vem
fazendo concessões a seus sócios do
Mercosul, com vistas a mantê-los coesos.
Quem acompanha mais de perto a
história dos Estados Unidos não se
surpreenderá com a orientação objetiva da política externa desse país, que
sabe distinguir, como nenhum outro,
amizades e interesses. Uma distinção,
aliás, cuja presença crescente não ficaria mal na formulação e sobretudo na
prática da política externa brasileira.
José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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