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São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2003

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BORIS FAUSTO

Na rota do capitalismo

A rrisco uma constatação, sujeita a chuvas e trovoadas. Pelo que se viu até agora, os novos ocupantes do poder assumiram com convicção a rota do capitalismo. A novidade é que a rota não passa pelo tempero da socialdemocracia, mas do capitalismo sem muitas nuances, quem diria, à moda americana.
De saída, convém ressaltar o que já se sabe. O governo Lula tinha objetivos claros no terreno econômico e nenhuma clareza, ou mesmo prioridade, de como operar no plano social. Não é demais sugerir que as fanfarras iniciais do Fome Zero foram um hábil contrafogo antecipado às queixas populistas ou de esquerda quanto aos rumos da política econômica.
A operação realizada nesse campo, aliás com pleno êxito apesar dos estragos sociais, não obedeceu apenas à necessidade de enfrentar problemas já existentes, agravados por uma transição que provocava inquietações. O governo atual embarcou com convicção na tarefa de restaurar a confiança, assumindo os pressupostos do governo anterior -responsabilidade fiscal, combate à inflação, respeito aos contratos-, que são hoje os pressupostos da maioria das nações civilizadas.
Mas é evidente que a transição sem aventuras espera abrir caminho para um tipo de crescimento sustentado, tendo como premissa básica, como disse o deputado Gabeira, um produtivismo do qual adviriam benesses materiais repartidas para toda a população, embora de forma desigual.
Nesse rumo, vários temas, muito caros ao PT no passado, mudam de significação. As questões ambientais cedem terreno às necessidades imperiosas do crescimento e são vistas mais como um embaraço, a exemplo do caso dos transgênicos, ainda que aí nem tudo esteja definido. Ao mesmo tempo, movimentos sociais acalentados por décadas passam a ser incômodos, e etnias são tratadas como vestígios arcaicos do passado.
Desse modo, o presidente e membros de seu governo estão dispostos a conversar indefinidamente com o MST e organizações afins, mas não parecem dispostos a acolher suas reivindicações e menos ainda seus métodos de luta. Por sua vez, a população indígena é encarada como um obstáculo para o desenvolvimento e para a segurança da região amazônica, em contraste com a atenção que lhe foi dedicada em governos anteriores.
Seria errôneo acreditar que, nas condições brasileiras, questões vitais como a do desemprego, entre outras, serão simplesmente ignoradas. Mas não há nenhum esforço voluntarista para ampliar a oferta de empregos ou reduzir as desigualdades sociais. A questão das relações trabalhistas foi deixada para o segundo tempo da agenda de reformas, ficando no ar uma pergunta acerca de como o governo tratará a inquietante questão da flexibilização das relações de trabalho, da qual resultaria, quem sabe, uma redução da informalidade.
Muita coisa ainda está por vir, tanto no plano externo quanto interno, e neste último o governo não poderá fechar-se às pressões da sociedade e de sua base partidária. Mas o núcleo duro do governo e do PT parece ter atravessado o rio para valer, deixando muita gente tão espantada quanto desorientada na outra margem.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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