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CARLOS HEITOR CONY
Horário de verão
RIO DE JANEIRO - Já passei por muitos horários de verão e até hoje não
sei se adoro ou detesto a mudança do
meu fuso horário, embora a questão
transcenda aos fusos e parafusos terrestres.
Pessoalmente, sou cumpridor de
horários, aprecio saber a hora de as
coisas acontecerem, hábito adquirido
no seminário, o sino tocava e a gente
sabia que era hora de estudar, brincar, rezar, dormir, acordar. O tempo
rendia mais e melhor.
Havia uma piada sobre os frades de
determinada ordem, que acordavam
mais cedo do que os demais: eles tinham mais tempo para não fazer nada. Era mais ou menos por aí que eu
me submetia aos horários, sempre
me sobrava um tempo para ficar sozinho comigo mesmo.
No Rio, a mudança de horário funciona. No final da tarde, ainda há
bastante sol e vontade de dar um
mergulho. A água está menos fria, o
céu mais doce, bom tomar um chope,
beber água de coco. Numa cidade do
interior, o dia parece ficar mais comprido, mas aí vem a piada dos frades
que acordam mais cedo: sobra mais
tempo para o nada.
Já me explicaram mil vezes a vantagem do horário de verão: economiza energia, evita sobrecarga nas linhas. Mesmo assim, é com raiva que
adianto os relógios e mais raiva ainda quando, meses depois, sou obrigado a atrasá-los. Lembro outra piada:
um gato botou um ovo na fronteira
do Peru com a China, o gatinho que
nascer será peruano ou chinês?
Nem uma coisa nem outra. Gato
não bota ovo e o Peru não tem fronteiras com a China. Se eu morresse
aos dez minutos do último domingo,
teria morrido num sábado? Nasci
num domingo e uma cigana já me
garantiu que morreria em outro. Essa terra-de-ninguém no tempo é
mais angustiante que a terra-de-ninguém no espaço. Se brincadeira tem
hora, morrer também deve ter a sua
hora. E de hora em hora Deus piora.
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