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São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Horário de verão

RIO DE JANEIRO - Já passei por muitos horários de verão e até hoje não sei se adoro ou detesto a mudança do meu fuso horário, embora a questão transcenda aos fusos e parafusos terrestres.
Pessoalmente, sou cumpridor de horários, aprecio saber a hora de as coisas acontecerem, hábito adquirido no seminário, o sino tocava e a gente sabia que era hora de estudar, brincar, rezar, dormir, acordar. O tempo rendia mais e melhor.
Havia uma piada sobre os frades de determinada ordem, que acordavam mais cedo do que os demais: eles tinham mais tempo para não fazer nada. Era mais ou menos por aí que eu me submetia aos horários, sempre me sobrava um tempo para ficar sozinho comigo mesmo.
No Rio, a mudança de horário funciona. No final da tarde, ainda há bastante sol e vontade de dar um mergulho. A água está menos fria, o céu mais doce, bom tomar um chope, beber água de coco. Numa cidade do interior, o dia parece ficar mais comprido, mas aí vem a piada dos frades que acordam mais cedo: sobra mais tempo para o nada.
Já me explicaram mil vezes a vantagem do horário de verão: economiza energia, evita sobrecarga nas linhas. Mesmo assim, é com raiva que adianto os relógios e mais raiva ainda quando, meses depois, sou obrigado a atrasá-los. Lembro outra piada: um gato botou um ovo na fronteira do Peru com a China, o gatinho que nascer será peruano ou chinês?
Nem uma coisa nem outra. Gato não bota ovo e o Peru não tem fronteiras com a China. Se eu morresse aos dez minutos do último domingo, teria morrido num sábado? Nasci num domingo e uma cigana já me garantiu que morreria em outro. Essa terra-de-ninguém no tempo é mais angustiante que a terra-de-ninguém no espaço. Se brincadeira tem hora, morrer também deve ter a sua hora. E de hora em hora Deus piora.


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