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São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A hora e a vez do cooperativismo

EVARISTO MACHADO NETTO

Nestes tempos de resultados magros para a economia brasileira, saltam aos olhos os números do agronegócio, que teve superávit de US$ 23 bilhões entre janeiro e agosto. O setor foi o grande responsável pelo saldo positivo de US$ 16 bilhões da balança comercial brasileira no período. Esses números são bastante conhecidos. O que pouco se conhece é o papel desempenhado pelas cooperativas do Brasil e de São Paulo nessa conquista. No Estado de São Paulo, as cooperativas agropecuárias movimentaram R$ 5,8 bilhões no ano passado -mais de 25% dos resultados de toda a produção agropecuária paulista.
Mas a força do cooperativismo não se restringe à agropecuária. Somamos mais de 5 milhões de pessoas associadas às 7.026 entidades que compõem a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). E, nos últimos anos, o cooperativismo urbano tem assumido papel relevante na diminuição da exclusão social e da concentração de renda.
As cooperativas habitacionais entregaram mais de 80 mil unidades nos últimos anos, a custo reduzido. O movimento das cooperativas educacionais, iniciado na década de 90, já conta com 38 unidades em todo o Estado. São escolas sem fins lucrativos, mantidas e dirigidas pelos associados. O sistema de saúde cooperativo tem mais de 13 milhões de usuários e está disseminado por todo o Brasil, servindo até de modelo para outros países. As cooperativas de consumo eliminam intermediários e garantem gêneros mais baratos a centenas de milhares de famílias, servindo de referencial de preço nos locais em que atuam. Só uma dessas cooperativas já tem mais de 1 milhão de cooperados.
Analisemos o fenômeno do desemprego, o grande pesadelo dos paulistanos, uma vez que 20,3% da força de trabalho da região metropolitana de São Paulo está sem emprego. Dezenas de cooperativas de produção vêm obtendo êxito em auto-administrar empresas que haviam falido nas mãos dos proprietários originais. As cooperativas de trabalho paulistas filiadas à Ocesp geram mais de 90 mil postos, oferecendo uma sólida alternativa à informalidade.
Voltando ao campo, um projeto de turismo rural no circuito das frutas vem oferecendo opções de lazer a baixo custo na Grande São Paulo, ao mesmo tempo em que gera renda extra para produtores associados. Na área cultural, o projeto Mosaico Teatral já levou obras encenadas por cooperativas a milhares de espectadores de todo o Estado. O Programa de Capacitação de Cooperativas em Autogestão, desenvolvido e administrado pelo Sescoop-SP, já formou mais de mil lideranças, o que permitirá aumentar a produtividade e profissionalizar mais a gestão das entidades. Há até MBAs em gestão de cooperativas, ministrados em São Paulo e no interior.
Ora, se o movimento cooperativista apresenta resultados tão estimulantes, por que menos de 5% da população brasileira é associada a nossas entidades, contra mais da metade dos cidadãos na Europa Ocidental ou América do Norte? O argumento de alguns, de que falta tradição associativa ao brasileiro, não resiste à realidade.


Nos últimos anos, o cooperativismo urbano tem assumido papel relevante na diminuição da exclusão social


O principal problema envolve a combinação perversa entre a falta de investimentos em educação -que naturalmente estimularia o associativismo- e o não-reconhecimento, pelos poderes públicos, da especificidade do cooperativismo. Sim, porque, mesmo estando inseridos em nossa Constituição artigos que determinam apoio e incentivo ao cooperativismo, pouco se tem feito em benefício dessa forma de organização.
Em setembro, por exemplo, a instrução normativa nš 358, editada pelo governo federal, eliminou a cobrança do PIS/Cofins para as cooperativas agropecuárias e de infra-estrutura. Nada mais justo. O problema é que, sem levar em conta a isonomia entre nossas entidades, o benefício não foi estendido aos demais ramos do cooperativismo.
Isso revela um problema grave: o poder público não reconhece plenamente as cooperativas como extensão de seu cooperado e como entidades sem fins lucrativos, cujas sobras de caixa têm destino definido pelos associados. E, como se isso não bastasse, as cooperativas de trabalho têm sido forçadas a travar uma batalha contra o desconhecimento da legislação e o preconceito diante do trabalho desvinculado da CLT. Essas mazelas têm levado setores do Ministério Público do Trabalho a atacarem de forma indiscriminada esse ramo do cooperativismo, que representa um novo estágio no desenvolvimento histórico do trabalho.
Ora, o movimento cooperativista é o maior interessado em separar as verdadeiras entidades de eventuais falsificações. Por isso defendemos a aprovação rápida de uma nova Lei do Cooperativismo, moderna e objetiva.
Logo que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou publicamente seu apoio ao cooperativismo. Para nós, essa manifestação soou como um chamado ao trabalho. Não por acaso, a recente doação de 80 toneladas de alimentos, feita por cooperativas de São Paulo ao Banco do Povo, foi a maior já recebida pela Prefeitura de São Paulo.
Com linhas de crédito mais ágeis, poderemos produzir e exportar mais. As cooperativas de crédito, reconhecidas como entidades sociais, podem oferecer ao pequeno empreendedor urbano e rural maiores volumes de recursos a juros razoáveis, ajudando a baixar as atuais taxas, estratosféricas.
As cooperativas de São Paulo estão prontas a fazer sua parte na retomada do crescimento econômico do país, segundo uma ótica de cooperação que pode amenizar um mercado cada vez mais selvagem. Só o que queremos é ser reconhecidos como o que somos: instrumentos de geração de renda e trabalho e de materialização de justiça social.


Evaristo Câmara Machado Netto, 57, agropecuarista, é presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo e vice-presidente da Associação Brasileira de Agribusiness.


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