São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Federalismo e tributos

O problema da reforma tributária é bem mais complexo do que parece à primeira vista. Frequentemente as soluções burocráticas mais eficientes conflitam com uma das condições que dominam a construção da sociedade brasileira, que é o federalismo. As discussões, há muitos anos, com os técnicos do Fundo Monetário Internacional (que em matéria de reforma tributária têm competência e experiência), convenceram-me de que pouca gente leva a sério o nosso problema federativo, um fator importante na rejeição do Império e na adesão à República.
Até hoje o artigo 1º da Constituição de 1891 parece ser mera expressão da vontade dos constituintes, e não resultado de profundas forças emergentes já na Colônia. Quando os constituintes escreveram e aprovaram o seu texto -"A nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil"-, eles confirmaram o decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, onde se diz: "Fica proclamada provisoriamente (sic) e decretada como a forma de governo da nação brasileira a República Federativa".
Esse espírito estava no famoso Manifesto Republicano, de 3 de dezembro de 1871, onde se lê: "No Brasil, antes da idéia democrática, encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo". E completa: "Foi a necessidade que demonstrou, desde a origem, a eficácia do grande princípio que embalde a força compressora do regime centralizador tem procurado contrafazer e destruir". (in "Textos Políticos da História do Brasil", Volume 2, págs. 480/496, Senado Federal, 2002). Não foi outra a razão do Ato Adicional de 1834, que criou as Assembléias Legislativas Provinciais em lugar dos meros Conselhos Provinciais, uma demanda há muito feita pelos federalistas. É fato conhecido que muitos defensores do federalismo transformaram-se em republicanos porque perderam a esperança de vê-lo reconhecido, mesmo na forma amenizada proposta pelo visconde de Ouro Preto, o presidente do Conselho do último gabinete monárquico.
Já temos longas e dolorosas experiências com a centralização tributária em alguns períodos da República, como no Estado Novo e no regime autoritário, que mostram que ela não sobrevive aos primeiros sinais democráticos. É claro que, "supondo que o Brasil é um país unitário", fica muito mais fácil organizar o sistema tributário, mas nossa história mostra que a suposição é falsa. O que parece espantoso é a facilidade com que tais soluções burocráticas, que ignoram a história, encontram guarida. Fingir que os Estados não existem ou que são obra da fértil imaginação dos constituintes de 1891 é o caminho mais curto para postergar uma reforma tributária duradoura e eficiente.
Temos de partir do fato que o Brasil é um país federal onde os Estados reivindicam a sua parcela nas decisões tributárias internas. Um bom caminho seria recuperar o projeto Rigotto-Musa, que desbastou muitas das dificuldades e tratar de aperfeiçoá-lo. Nunca haverá uma reforma tributária "ideal", que satisfaça a todos. Todas são imperfeitas, exatamente como cada um de nós!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br


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