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ANTONIO DELFIM NETTO
Federalismo e tributos
O problema da reforma tributária é bem mais complexo do que
parece à primeira vista. Frequentemente as soluções burocráticas mais
eficientes conflitam com uma das
condições que dominam a construção
da sociedade brasileira, que é o federalismo. As discussões, há muitos anos,
com os técnicos do Fundo Monetário
Internacional (que em matéria de reforma tributária têm competência e
experiência), convenceram-me de
que pouca gente leva a sério o nosso
problema federativo, um fator importante na rejeição do Império e na adesão à República.
Até hoje o artigo 1º da Constituição
de 1891 parece ser mera expressão da
vontade dos constituintes, e não resultado de profundas forças emergentes
já na Colônia. Quando os constituintes escreveram e aprovaram o seu texto -"A nação brasileira adota como
forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e
constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias,
em Estados Unidos do Brasil"-, eles
confirmaram o decreto nº 1, de 15 de
novembro de 1889, onde se diz: "Fica
proclamada provisoriamente (sic) e
decretada como a forma de governo
da nação brasileira a República Federativa".
Esse espírito estava no famoso Manifesto Republicano, de 3 de dezembro de 1871, onde se lê: "No Brasil, antes da idéia democrática, encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo". E completa: "Foi a necessidade que demonstrou, desde a
origem, a eficácia do grande princípio
que embalde a força compressora do
regime centralizador tem procurado
contrafazer e destruir". (in "Textos
Políticos da História do Brasil", Volume 2, págs. 480/496, Senado Federal,
2002). Não foi outra a razão do Ato
Adicional de 1834, que criou as Assembléias Legislativas Provinciais em
lugar dos meros Conselhos Provinciais, uma demanda há muito feita pelos federalistas. É fato conhecido que
muitos defensores do federalismo
transformaram-se em republicanos
porque perderam a esperança de vê-lo
reconhecido, mesmo na forma amenizada proposta pelo visconde de Ouro Preto, o presidente do Conselho do
último gabinete monárquico.
Já temos longas e dolorosas experiências com a centralização tributária
em alguns períodos da República, como no Estado Novo e no regime autoritário, que mostram que ela não sobrevive aos primeiros sinais democráticos. É claro que, "supondo que o
Brasil é um país unitário", fica muito
mais fácil organizar o sistema tributário, mas nossa história mostra que a
suposição é falsa. O que parece espantoso é a facilidade com que tais soluções burocráticas, que ignoram a história, encontram guarida. Fingir que
os Estados não existem ou que são
obra da fértil imaginação dos constituintes de 1891 é o caminho mais curto
para postergar uma reforma tributária
duradoura e eficiente.
Temos de partir do fato que o Brasil
é um país federal onde os Estados reivindicam a sua parcela nas decisões
tributárias internas. Um bom caminho seria recuperar o projeto Rigotto-Musa, que desbastou muitas das dificuldades e tratar de aperfeiçoá-lo.
Nunca haverá uma reforma tributária
"ideal", que satisfaça a todos. Todas
são imperfeitas, exatamente como cada um de nós!
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br
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