São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A nota baixa do ensino médio

MIGUEL JORGE

Por mais entusiasmado com o recorde de matrículas no ensino fundamental e com as oportunidades abertas pelo atual governo na educação, nenhum brasileiro sensato admitiria que nossa população pudesse vir a ser formada só por pessoas com curso universitário ou respeitadas por seu talento. Claro que nem todos serão ricos, usarão anéis de doutor, administrarão empresas, vão se formar como médicos, professores, economistas etc., ou melhorarão de vida, mesmo com chances iguais de se educar.
Além disso, como acaba de mostrar o último Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, seria até irresponsável festejar a alta taxa de matrícula nas escolas (98,5%), quando a qualidade do ensino oscila entre insuficiente e ruim. Sobretudo sabendo-se que isso é reflexo da baixa renda dos chefes de família, da falta de estrutura da rede pública, de problemas familiares dos alunos, entre outras causas. Para resumir: se o Brasil pode ser orgulhar de não ter mais escolas que fecham as portas a crianças e jovens por falta de vagas, sofre hoje de uma doença ainda pior, que poderá lhe custar caro, a má qualidade do ensino.
Manter esse cenário pelo orgulho de ter um regime de oportunidades na educação, que significou um dos maiores êxitos da administração do presidente Fernando Henrique Cardoso, seria um engano deliberado do futuro ministro da Educação.
Entre outras avaliações do ensino, sem dúvida o Enem foi das iniciativas mais sérias do atual governo para tirar nosso atraso na educação, pois ele tanto pode servir de opção ao vestibular como de complemento para entrar em 400 faculdades. (Juntem-se a ele outros programas de aferição de capacidade, como o Provão e o Saeb, Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, fora os programas de distribuição de livros didáticos).
Mas o mérito do Enem tem sido o de mostrar, todo ano, que nossos estudantes do ensino médio ainda estão longe de se ombrearem aos estrangeiros do mesmo nível em termos de preparo. E, pior, é um exame que revela que, entre os que já concluíram ou estão concluindo o ensino médio, os filhos das famílias mais pobres ou economicamente excluídas estão praticamente condenados a um futuro sombrio.
Para essas famílias, se existe o sacrifício da falta de comida, do orçamento apertado e das dificuldades do dia-a-dia, com muito mais motivos existirá uma escola pública deficiente, com professores mal formados e mal pagos. Neste ano, 74% dos alunos que se submeteram fizeram o Enem, aplicado pelo Ministério da Educação -1,3 milhão de alunos do ensino médio-, foram reprovados na prova objetiva, com notas abaixo de 40 numa escala de zero a cem.


O mérito do Enem tem sido o de mostrar que nossos estudantes estão longe de se ombrearem aos estrangeiros


Na rede pública, o desempenho dos estudantes foi pior, com 84,5% recebendo nota ainda menor -a média geral da prova objetiva, que envolve conhecimentos gerais e redação, ficou em 34,13 pontos. A média dos alunos de escolas públicas na prova geral atingiu 30,39, enquanto os alunos da rede privada alcançaram 47,22; computados os brancos e os negros, os primeiros obtiveram 36,86 de média e estes, 29,65.
Não houvesse crescente esperança de que os jovens terão uma vida melhor que a dos seus pais, com os progressos na educação, dir-se-ia que de nada adiantou o maior acesso à escola.
Esses resultados foram os piores desde 1998, quando começou esse processo de avaliação do ensino médio, mas de maneira nenhuma culpa deve ser atribuída só aos estudantes; a maioria deve ter se esforçado para executar suas tarefas escolares. Nada menos de 94,4% dos estudantes reivindicaram do Ministério da Educação mais aulas de revisão, o que mostra seu interesse pelos estudos, e mais da metade declarou que estudava e trabalhava ao mesmo tempo.
Culpe-se, portanto, a realidade que cerca a família brasileira, em grande parte chefiada por pais de baixa escolaridade, fator que prejudica o acompanhamento e o desempenho escolar. Estudantes cujos pais não estudaram ou têm rendimento de um salário mínimo -R$ 200- alcançaram a média modesta de 26 no teste de conhecimentos e de 47 na redação; os filhos de pais que concluíram o ensino médio e os com renda de cinco a dez salários mínimos tiveram 37 e 57, respectivamente.
Outra triste realidade: os estudantes pobres que terminaram o ensino médio na rede pública, quando submetidos ao teste, fizeram uma leitura superficial e fragmentada dos textos, o que ocorreu menos na escola privada.
Conclusão inevitável é a de que a qualidade de nosso ensino médio é tanto maior quanto maiores forem os recursos das famílias dos alunos, e ainda assim estamos devendo. É preciso que o próximo governante prossiga na revolução da educação iniciada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Neste ano, 65% dos que fizeram os exames vieram de famílias que têm renda abaixo de cinco salários mínimos Nas famílias com renda acima de 50 salários, a média foi de 52,6 pontos, um desempenho fraco.
Que o presidente eleito, que conheceu os dois lados dessa crua realidade -a barriga vazia e a escola pública- e que estudou matemática fazendo contas em papel de pão, seja sensível a essa situação. É prioritário que o futuro governo, que após as eleições ainda não se manifestou sobre a educação, dedique todas as verbas possíveis para melhorar a qualidade do ensino.
Um programa contra a fome é fundamental, mas a educação universal e de qualidade é o único fator capaz de permitir que nosso país seja competitivo e eficiente e, com isso, acabe com a miséria e a fome.


Miguel Jorge, 57, jornalista, é vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Santander Banespa.


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