São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Parabéns, povo brasileiro

JACK TERPINS

Nós, o povo brasileiro, estamos de parabéns. O Brasil deu uma gigantesca demonstração de civilidade coletiva. Revigoramos a democracia brasileira e demos oportunidade a que um metalúrgico, fundador de um partido criado há pouco mais de 20 anos, assumisse o poder.
Os eleitores brasileiros que escolheram Luiz Inácio Lula da Silva presidente acreditam que ele será capaz de realizar as mudanças que julgam necessárias. Esta é, antes de tudo, uma vitória da democracia, que consagra como uma de suas essências a alternância do poder.
É emblemática, aliás, a magistral foto, publicada por alguns jornais na segunda-feira, 28/10, de dois barqueiros remando no rio Cumbu, interior do Pará, a caminho da seção eleitoral com as bandeiras do Brasil e do PT, como evidência da ampliação das excelências do processo democrático, ao mesmo tempo em que se expandiu significativamente entre os eleitores o verdadeiro significado do que é esse processo.
A essa participação na campanha eleitoral vai corresponder um interesse maior da população de um modo geral no novo governo e o aumento da vontade e da disposição de enfrentar questões graves que dizem respeito a todos.
Ou seja, dizem respeito também à comunidade judaica do Brasil, que participou ativamente de todos os embates democráticos no país desde o advento da República e o envolvimento dos judeus e dos convertidos à força em todos os movimentos libertários no Brasil colônia. E a razão é simples: em qualquer lugar do mundo, os direitos e deveres de um judeu enquanto cidadão numa sociedade democrática têm um significado muito especial na sua identidade. A negação dos direitos fundamentais e das responsabilidades é a negação da própria existência judaica.
Os judeus só se realizam numa sociedade democrática; e tanto isso é verdade que, assim como judaísmo e democracia são complementares, o judaísmo e um regime não-democrático são absolutamente incompatíveis.
Séculos antes de Montesquieu e Locke desenvolverem sua versão da moderna democracia ocidental, os textos judaicos já consagravam o princípio da igualdade perante a lei e a defesa dos direitos dos mais fracos e das minorias. Trata-se da aplicação formal do princípio bíblico segundo o qual cada um é responsável pelo outro. Dessa forma, os judeus do Brasil e as dezenas de entidades comunitárias bem sabem das suas responsabilidades no conjunto da sociedade brasileira; responsabilidades que avançam para além da ativa participação no crescimento e desenvolvimento do país.



Sabemos que o presidente eleito é um homem que cresceu na vida pública porque fez do diálogo sua arma de negociação

Mas, como a pobreza e sua expressão mais evidente -a fome- são uma injustiça intolerável, os princípios judaicos determinam que se deve fazer todo o possível, do ponto de vista individual e comunitário, para as enfrentar e combater. Ao longo de gerações, as várias entidades da comunidade judaica acumularam conhecimento e experiência nessa questão. Há, portanto, uma feliz coincidência entre os objetivos de governo que Lula vai perseguir com determinação e os anseios das muitas entidades judaicas do Brasil voltadas à beneficência e benemerência.
Aliás, a Confederação Israelita do Brasil, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Congresso Mundial Judaico e o Congresso Judaico Latino-Americano realizam em São Paulo, no início de dezembro, o 4º Congresso Internacional de Combate à Pobreza, do qual, ainda antes do primeiro turno, o candidato do PT foi convidado para presidir a cerimônia de abertura.
A par disso, nós somos solidários com o povo de Israel e acreditamos que o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva cumprirá seu duplo papel de chefe de Estado e de governo e, como um estadista, lutará com todas as suas forças em favor de um efetivo processo de paz no Oriente Médio, que dê garantias à existência e à segurança do Estado de Israel e estabeleça um Estado palestino soberano e independente. E temos absoluta confiança em que o presidente eleito, tal como Fernando Henrique, vai exercer a paciência, combater a intolerância, o racismo e as discriminações e defender os direitos das minorias.
Sabemos todos que o presidente eleito é um homem que cresceu na vida pública porque fez do diálogo sua arma de negociação -que sempre requer, antes de mais nada, indivíduos diferentes, mas com alguma coisa em comum. Assim, será possível chegar a um ponto que satisfaça os anseios de todos, sem precisar quebrar com um punho de ferro a mesa em torno da qual se sentam.


Jack Leon Terpins, 54, engenheiro, é presidente da Confederação Israelita do Brasil e do Congresso Judaico Latino-Americano.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Miguel Jorge: A nota baixa do ensino médio

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.