São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

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SEM MORDAÇA

Em outros tempos, o hoje ministro José Dirceu atacou o projeto da chamada Lei da Mordaça e acusou o presidente Fernando Henrique Cardoso de "autoritarismo" por tentar silenciar o Ministério Público (MP). Agora, o comportamento do titular da Casa Civil parece dar crédito às especulações de que o governo petista moverá esforços para aprovar a referida lei, que considera crime o vazamento de informações por promotores e procuradores.
Na última sexta-feira, irritado com a cobertura das investigações sobre a morte do prefeito Celso Daniel, o ministro da Casa Civil acusou o Ministério Público e a imprensa de "violar diariamente a Constituição". Compreende-se o desconforto do ministro ao ter que arcar com os ônus de agora ocupar a vitrine do poder.
Quanto às preocupações acerca de eventuais equívocos e abusos cometidos por integrantes do MP e pela imprensa na divulgação de investigações, elas são pertinentes -notadamente quando expõem suspeitos sem os devidos cuidados para preservar a presunção de inocência.
É preciso notar, no entanto, que esses desvios ocorrem no interior de um movimento mais amplo -e bastante saudável- de aprofundamento de investigações envolvendo a administração pública. E esse é o ponto: a preocupação parece ser antes de tudo a de reduzir o impacto da atuação do Ministério Público em relação às autoridades políticas.
Trata-se de um clássico conflito entre os princípios das garantias individuais e a publicidade de atos do poder, ambos consagrados na Constituição. A proposta da Lei da Mordaça peca por tentar criar uma forma de censura, quando o razoável seria punir o abuso com as leis existentes. Quanto ao intuito de coibir vazamentos, está condenado ao fracasso. Nada impedirá que alguém possa fornecer informações a meios de comunicação sem ter o nome divulgado.
O melhor a fazer é usar os instrumentos disponíveis para minimizar efeitos colaterais indesejáveis, mas apostar firmemente no regime de transparência e fiscalização dos poderes -o que requer independência do Ministério Público e da imprensa.


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