São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O véu e o preconceito
ALI ABDOUNI e JIHAD HASSAN
Quando a sra. Luiza diz que "essas populações resistem tenazmente a assimilar os valores ocidentais, isolando-se em suas comunidades", ela não só comete um erro grave, como tenta passar a idéia de que os orientais que aqui estão têm o dever de assimilar os valores ocidentais, e quem não o faz é tido como um rebelde, o que não é verdade. Nós, como muçulmanos, ou mesmo os judeus, cristãos, budistas, umbandistas, ateus ou qualquer outra pessoa, somos livres para escolher a religião e a ideologia que queremos, da mesma forma que respeitamos a livre escolha dela. Ela esquece que o Ocidente foi construído pelos estrangeiros que deram o seu suor e fazem parte dele, e que isso não os obriga a se desfazerem dos seus princípios de fé e ideologia. São pessoas que trabalham em seus comércios, suas empresas, profissionais de todas as áreas, 24 horas por dia inseridos na sociedade em que vivem e que em nenhum momento se isolaram, já que as portas de todas as comunidades estão abertas. Se ela tivesse visitado a comunidade islâmica antes de escrever o artigo, certamente teria sido mais coerente. Quanto à opressão que a autora cita ocorrer por parte das comunidades islâmicas em relação ao uso do véu, gostaríamos de deixar claro que o muçulmano só é aceito dentro da religião quando ele a aceita por livre e espontânea vontade, já que Deus diz, no Alcorão: "Não há imposição quanto à religião". Assim, quem não quiser seguir a nossa religião é livre para escolher o que achar melhor, já que todos têm o livre-arbítrio, mas, para segui-la, há regras a serem respeitadas. Então não é a comunidade islâmica que obriga, mas a própria pessoa se sente na obrigação de fazê-lo e, diferentemente do que a dra. Luiza afirma, o uso do véu não é uma regra das pessoas, mas sim de Deus, e ele é citado, sim, no Alcorão, como um comportamento da mulher muçulmana, como o próprio homem muçulmano também tem de ter um comportamento e uma conduta adequados, aliás, como em todas as religiões. O uso do véu é, portanto, estritamente religioso. É interessante analisar o fato de o véu islâmico ser visto como uma forma de opressão da muçulmana, mas o olhar muda quando o foco é uma fiel de outras religiões, como as judias, cristãs etc. Senão, o que dizer das freiras que usam véu? Quem as oprime? Ou mesmo a Virgem Maria; quem a oprimia quando ela usava o seu véu? A dra. Luiza mostra, também, a sua falta de conhecimento sobre a religião islâmica quando diz que "o véu imposto às muçulmanas tem por objetivo impedir que as mulheres se manifestem livremente como seres humanos". Nada mais falso do que essa alegação, já que na religião islâmica o estudo é um dever de todo fiel; se não fosse assim, por que essa discussão entre os pais e diretores de "escolas" na França sobre o uso do véu? Quanto à liberdade sexual, gostaríamos que ficasse claro para todos que não conhecem a religião islâmica que o casamento não tem a única finalidade de procriação, mas também de prazer, e isso é direito do homem e da mulher. Agora a pergunta à sra. Luiza: onde ela aprendeu o contrário? Ela afirma que é importante desestimular o uso do véu. Será que isso não é a mais pura intolerância, que ela supõe estar condenando, querendo impor regras às religiões e aos seus adeptos de acordo com a sua vontade? É essa a democracia e a justiça que ela defende? Devemos, antes de condenar, criticar ou mesmo dar uma opinião, conhecer profundamente o assunto que vamos abordar, para que não cometamos injustiças contra qualquer um, já que o respeito faz parte da justiça e somente a justiça pode nos levar a uma sociedade mais tolerante e harmoniosa. O que se passa na França é um sinal de que o Ocidente, filho do Oriente, é um adolescente rebelde que quer controlar os pais. Mas uma hora ele vai aprender que não existe uma civilização melhor que a outra, mas sim uma que ajuda a outra. Xeque Ali Abdouni, 39, é representante da comunidade islâmica no Brasil e presidente da Assembléia Mundial da Juventude Islâmica América Latina. Xeque Jihad Hassan, 38, é vice-representante da comunidade islâmica no Brasil e vice-presidente da Assembléia Mundial da Juventude Islâmica América Latina. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Marcelo Medeiros: Os filhos dos pobres Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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