São Paulo, quinta, 21 de janeiro de 1999

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Promessas e erros de FHC


O momento é grave. Parece que o próprio espírito de federação vai sendo colocado em segundo plano


MAX SCHRAPPE

Uma semana antes das eleições de outubro de 1998, quando eu ocupava a presidência da Fiesp, tive a honra de ser recebido em audiência, no Palácio do Planalto, em Brasília, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, juntamente com lideranças das entidades de classe representativas do comércio e da agricultura. Na ocasião, foi muito gratificante ouvir do presidente que, se reeleito, não aumentaria a carga tributária acima do patamar de 30% do PIB.
Por isso, foi uma grande surpresa constatar que, em 1999, a arrecadação tributária atingirá 32% do PIB. O que mais causa espécie, nesse episódio, é que a declaração do presidente, naquela audiência, não foi feita num discurso de palanque, no qual a retórica dos candidatos flui de modo mais adequado ao compreensível marketing eleitoral, mas numa reunião fechada com lideranças empresariais responsáveis.
Promessas não cumpridas agravam-se, neste momento, pelos equívocos cometidos pelo governo no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, de quem, é claro, não se pode tirar o mérito pelo Plano Real. O mais grave erro foi a postergação das reformas constitucionais, especialmente a fiscal e tributária.
Sem a modernização do arcabouço legal que rege a economia e com a manutenção de um Estado compulsivo na arrecadação e megalomaníaco nos gastos, o Brasil ficou extremamente exposto à crise internacional dos capitais. Para combatê-la, já que não tínhamos o respaldo dos necessários ajustes internos, apresentou-se a conta, mais uma vez, a quem produz e trabalha.
Mais do que onerar os setores produtivos, o aumento de impostos este ano alinha-se entre os fatores agravantes de uma crise claramente sinalizada. Pode-se sugerir, até, que esse desgastado artifício não irá produzir os efeitos desejados na redução do déficit público prometida ao FMI. Isso porque muitas empresas deverão pagar menos do que vinham recolhendo ou até mesmo deixar de fazê-lo. Não em decorrência de uma predisposição à sonegação, mas porque correm o risco de parar de produzir, vender e prestar serviços.
O quadro fiscal e a iminência de recessão são agravados pela atitude intempestiva do governador Itamar Franco. A moratória mineira estourou como uma bomba na credibilidade do país, resultando nos acontecimentos graves verificados nos últimos dias. A infrutífera guerra fiscal a que se atiram Estados e municípios também conspira contra os interesses da nação. Com o chapéu na mão, estendido a investidores em potencial, governadores e prefeitos deixam de recolher impostos numa ponta, mas na outra aumentam os tributos, como IPVA, IPTU e ISS, além do IPI, ICMS, IOF...
O momento é grave. Parece que o próprio espírito de federação vai sendo colocado em segundo plano. Governadores (eleitos e reeleitos) tentam cumprir promessas de campanha, de atrair empresas, mas ignoram as mais importantes responsabilidades, relativas a ajuste fiscal, saúde, educação e segurança pública. Compromissos com os setores produtivos, desconsiderados pelos altos escalões do governo federal, também colocam em risco a economia. Até quando será possível conter os efeitos do desemprego crescente sem que se agrave ainda mais a parcela da criminalidade advinda da exclusão? Até quando os desajustes fiscais de municípios, Estados e União deixarão o Brasil definitivamente exposto a uma irreversível evasão de divisas? Até quando produzir será uma aventura para os empresários e investidores?
Responder, com urgência e efetividade, a todas essas perguntas é a atitude que a sociedade espera dos novos governantes. Todos os que disputaram as eleições tinham consciência (ou deveriam) dos problemas das máquinas administrativas. Tinham o compromisso de enfrentá-los sem mudanças nas regras do jogo. Têm, agora, o dever cívico de esquecer regionalismos, interesses locais e de grupos e pensar, de forma apartidária, séria e sinérgica, nas soluções capazes de evitar o mergulho da nação numa crise muito grave.


Max Schrappe, 66, industrial gráfico, é presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) e do conselho do Senai/SP. Foi presidente da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).




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