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São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um novo jeito de fazer política

JOÃO MELLÃO NETO

Iniciei a minha vida pública, aos 28 anos de idade, como secretário do então prefeito Jânio Quadros. Messiânico, carismático, voluntarioso e irascível, não era nada fácil trabalhar com ele. Jânio era um governante mais intuitivo do que racional. Tomava decisões muitas vezes polêmicas e não ponderava os argumentos de auxiliar nenhum. Muitas vezes, as suas resoluções -intuitivas, como já disse- davam certo. Muitas vezes, não. Mas ele jamais voltava atrás. Mesmo quando se sabia errado. Como deve ser comum em líderes de massas, ele era movido por um forte senso de predestinação e era também um apaixonado pelo próprio ego. Eu, como jornalista, atinha-me a observá-lo, tentando vasculhar os complexos meandros de sua personalidade. Repito: não foi fácil trabalhar com ele.
Meu segundo "chefe" na vida pública foi o presidente Fernando Collor. Fiz parte da sua segunda equipe, intitulada pela imprensa como o "ministério ético". Collor também se sentia um predestinado. Tinha lá os seus momentos de grandeza, gestos de um autêntico estadista, mas, no geral, era profundamente voluntarioso e dotado de um senso de certeza invejável. "Feliz do homem que não tem dúvidas", refletia eu, com os meus botões. "Morre errando, mas nunca perde a autoconfiança..." Dois meses após o seu impeachment, fui convidado a ser secretário na equipe de Paulo Maluf, então recém-eleito prefeito de São Paulo.
Mais um líder que se entendia como predestinado. Nosso relacionamento durou apenas sete meses. Eu saí do governo, reassumi a minha cadeira como deputado federal e prometi a mim mesmo que nunca mais trabalharia com lideranças carismáticas ou aprendizes de líder. Era muito desgastante. Cheguei a formular, à época, a teoria de que todo governante, para chegar ao posto, havia de ter um parafuso a menos. Eram homens para os quais a forma sempre valeria mais do que o conteúdo. Eram movidos a arroubos retóricos, discursos condoreiros, gestos dramáticos. Alguns davam certo, outros nem tanto. Mas todos, sem exceção, eram pessoas com as quais era difícil lidar.


Não escondo a minha satisfação por fazer parte de um governo que se tem mostrado tão eficiente ao longo do tempo


Geraldo Alckmin tem sido diferente. Trabalhamos juntos há pouco mais de um mês. Jamais o vi erguer a voz ou proferir alguma frase de efeito. Ele dialoga com a sua equipe de igual para igual e nem por isso abre mão de sua autoridade. Ela prevalece na forma de argumentos lúcidos e bem fundamentados. E Alckmin tem a rara humildade de rever os seus conceitos quando se vê diante de idéias melhores do que as suas. Ele só não abre mão de seus princípios basilares e também de seu objetivo, quase obsessivo, de realizar um excelente governo.
Um mês e meio de convivência é um prazo bastante exíguo para formar uma opinião definitiva. Fui checar minhas primeiras impressões com aqueles que o acompanham desde que, no início de 2001, assumiu o governo com o falecimento de Mário Covas. Ele sempre foi assim. Desde muitos anos, quando comandou a Prefeitura de Pindamonhangaba. Calmo, ponderado, humilde, mas também profundamente objetivo e obstinado quanto àquilo que deseja alcançar. Tem uma sede obsessiva por informações, números, dados e comparativos. Não se furta a trabalhar à noite e nos fins de semana. Incomoda-o bastante não ter a informação exata sobre cada problema de sua gestão. Tampouco perdoa aos auxiliares que não a têm à mão quando solicitados.
Que ninguém espere dele declarações bombásticas, manifestações voluntaristas ou mesmo frases de efeito. O grande teste de sua fleuma foi a campanha eleitoral. E, mesmo nesta, no fragor dos embates, ele permaneceu o mesmo. Jamais levantou a voz, nunca se deixou seduzir pela tentação de fazer promessas ou emitir juízos enfáticos. Não atacou ou mesmo respondeu aos seus adversários. Ateve-se a falar de suas realizações e de como pretendia aperfeiçoá-las caso obtivesse um novo mandato. Surpreendentemente, com um discurso exclusivamente racional, logrou eleger-se, batendo o histórico malufismo no primeiro turno e a irresistível onda petista no segundo.
Uma vez empossado, Geraldo Alckmin tem como objetivo tão-somente manter-se como sempre foi. Embora médico por formação, tem um talento inato para a administração. Mesmo seus mais ferrenhos adversários concordam que ele vem realizando uma excelente gestão, com finanças saneadas, metas bem definidas e um longo rol de realizações para credenciá-lo.
Sou suspeito para enaltecê-lo. Afinal, sou membro de sua equipe. Mas não escondo a minha satisfação por fazer parte de um governo que se tem mostrado tão eficiente ao longo do tempo. E que, sem nunca ter resvalado na demagogia e no populismo, mesmo assim, obteve um consagrador aval da população nas urnas.
Geraldo Alckmin, mesmo sem o saber, inaugurou um novo e inédito jeito de fazer política. Oxalá o seu exemplo se multiplique pelo Brasil.

João Mellão Neto, 47, jornalista, é secretário da Comunicação do Estado de São Paulo.


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