|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
A verdade acima de tudo
RIO DE JANEIRO - Um leitor especializado em distâncias denunciou-me
um erro cometido em crônica desta
semana. Dizia eu que os 50 litros de
combustível gastos para ir do Rio a
Barra do Piraí eram exagerados.
Com metade disso, num carro bem
regulado, eu poderia ir e voltar a
uma cidade onde na realidade não
pretendo ir.
Dei o exemplo forçado pela gastança de combustível nas viagens aéreas.
Um par de óculos esquecido num
Jumbo custa exatos 50 litros de querosene numa viagem mais longa.
Bem, sempre que me advertem em
nome do rigor histórico ou científico,
eu lembro aquele episódio do animador Flávio Cavalcanti, que tinha um
programa na TV intitulado, se não
me engano, "Um Instante, Maestro!".
Ele fiscalizava as letras das músicas
populares, apontando erros de gramática ou de informação, baseado
sempre no rigor histórico ou científico. Quebrava os discos, que naquele
tempo eram quebráveis, em sinal de
protesto.
Quando Adoniran Barbosa estourou com o seu "Trem das Onze", Flávio não perdoou aquele sucesso que
se tornaria um clássico do nosso cancioneiro. Havia a queixa do autor,
"se eu perder esse trem, que sai agora
às onze horas, só amanhã de manhã". Verso que, por sinal, daria título à música.
Flávio mandou tocar o disco.
Quando os Demônios da Garoa chegaram ao trecho em questão, Flávio
gritou: "Um instante, maestro!". Tirou o disco da mesa de som, mostrou
o horário oficial dos trens que serviam Jaçanã e provou, por "a" mais
"b", que, depois do trem das onze, havia um outro, que saía à meia-noite
para o mesmo destino. Em véspera de
domingos, feriados e dias santificados, havia um outro, bem depois da
meia-noite. Indignado, quebrou o
disco diante das câmaras.
Sempre que apelam para o rigor
histórico e factual, lembro o episódio
do trem das onze, no qual, por sinal,
Adoniran deixou um dos versos mais
deliciosos de nossa literatura: "Minha mãe não dorme enquanto eu
não chegar".
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Idéia de jerico Próximo Texto: Luciano Mendes de Almeida: Viaduto das almas Índice
|