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TENDÊNCIAS/DEBATES
O projeto da nova política sobre drogas representa um avanço da legislação?
SIM
Tolerância com o usuário
PAULO PIMENTA
É evidente que o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas
(Sisnad), aprovado recentemente pela
Câmara dos Deputados, significa um
importante avanço na legislação brasileira sobre o tema. O regramento legal
vigente data de 1976 e desconsidera todas as experiências desenvolvidas nas
últimas décadas no combate ao tráfico e
no tratamento dos usuários ou dependentes em todo o mundo. Sinteticamente, a legislação em vigor não garante a eficiência necessária do aparato estatal para combater o tráfico nem diferencia, na hora de punir, a comercialização ilegal de drogas, geradora de enormes danos para a sociedade, do uso
eventual ou sistemático de entorpecentes, que, em geral, torna-se danoso exclusivamente para o usuário e seu círculo familiar.
A modernização da legislação para
prevenir o uso de drogas e combater
com mais eficácia o tráfico era, pois,
uma exigência óbvia. Aliás, uma necessidade que é discutida com grande amplitude pela sociedade há pelo menos
uma década, e há mais de um ano, pelo
Congresso. Em linhas gerais, a proposta
do governo pretende garantir uma repressão mais eficiente ao tráfico de drogas e instituir políticas públicas inclusivas, com o objetivo de reinserir socialmente usuários e/ou dependentes.
O problema do uso e do tráfico de
drogas no Brasil tem ganhado uma dimensão de emergência nos últimos
anos. Segundo um estudo da ONU, publicado recentemente e amplamente difundido pela imprensa, o consumo de
anfetaminas entre estudantes cresceu
150% nos últimos dez anos. O uso de
maconha avançou 325%, e o de cocaína
teve um aumento assustador de 700%
nesse mesmo período. O mesmo estudo
revela que o tráfico emprega mais de 20
mil meninos e meninas -na faixa de 10
a 16 anos- e é responsável por uma
parte significativa dos 30 mil homicídios praticados anualmente no país.
Por si mesmos, esses dados são provas
contundentes de que os métodos empregados até agora, essencialmente repressivos e indiferenciadores, não são
suficientemente eficazes. Nem se garante mecanismos legais para atacar com
eficiência os métodos complexos e modernizados do tráfico, nem se proporciona formas adequadas para tratar a
drogadição como um problema de saúde pública, que realmente é.
Embora a imprensa toda tenha enfatizado o aspecto relacionado com a extinção da pena de encarceramento para
usuários, o sistema aprovado é muito
mais amplo. Em síntese, a iniciativa do
meu substitutivo propõe as seguintes
modificações principais: (a) fim da pena
de prisão a usuários e dependentes de
drogas; (b) endurecimento das penas
para traficantes, que variarão de 5 a 15
anos de prisão, conforme o caso; (c) tipificação do crime de financiador do
tráfico, com penas que variarão de 8 a 20
anos de prisão; (d) agravamento da pena para traficantes em caso de envolvimento de servidores públicos (policiais), crianças e adolescentes ou com
associação do tráfico internacional; (e)
criação do Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas; e (f) determinação do juiz ao poder público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, atendimento à saúde.
Com o Sisnad, o Brasil contará com
uma legislação adaptada às necessidades atuais de combate ao tráfico e condizente com os novos paradigmas no
tratamento aos usuários. É preciso que
fique bem claro que não estamos descriminalizando o uso de qualquer droga,
mas extinguindo a prática danosa de
encarceramento do usuário. Como se
sabe, a prisão de usuários e dependentes
não traz benefícios à sociedade, já que
os impede de receber a atenção necessária e propicia uma convivência deseducativa com agentes criminosos. A política de não-prisão auxiliará a própria
conduta dos pais, que, muitas vezes, para evitar a prisão dos filhos, acobertam o
uso, impedem o tratamento e acabam
por nutrir a indústria da droga, já que
esses meninos e meninas continuarão a
consumir e a comprar.
Da mesma forma, é preciso singularizar os flagrantes. Por óbvio, há uma diferença enorme em encontrar cinco cigarros de maconha com um jovem que
está em frente da sua casa ou na frente
de uma escola. Assim como há uma diferença abismal entre um "traficante"
que distribui de forma assistemática para os seus amigos daquele que estabelece uma relação sistemática e comercial
de venda e esteja vinculado ao crime organizado.
Por certo, ainda há muito a avançar. O
que importa é que a nova proposta de
lei dá o amparo legal para tratar bandidos como bandidos, e pacientes como
pacientes.
Paulo Roberto Severo Pimenta, 38, jornalista
e técnico agrícola, é deputado federal pelo PT-RS. Foi o relator do projeto de lei do Sisnad na
Câmara.
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