São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O projeto da nova política sobre drogas representa um avanço da legislação?

SIM

Tolerância com o usuário

PAULO PIMENTA

É evidente que o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, significa um importante avanço na legislação brasileira sobre o tema. O regramento legal vigente data de 1976 e desconsidera todas as experiências desenvolvidas nas últimas décadas no combate ao tráfico e no tratamento dos usuários ou dependentes em todo o mundo. Sinteticamente, a legislação em vigor não garante a eficiência necessária do aparato estatal para combater o tráfico nem diferencia, na hora de punir, a comercialização ilegal de drogas, geradora de enormes danos para a sociedade, do uso eventual ou sistemático de entorpecentes, que, em geral, torna-se danoso exclusivamente para o usuário e seu círculo familiar.
A modernização da legislação para prevenir o uso de drogas e combater com mais eficácia o tráfico era, pois, uma exigência óbvia. Aliás, uma necessidade que é discutida com grande amplitude pela sociedade há pelo menos uma década, e há mais de um ano, pelo Congresso. Em linhas gerais, a proposta do governo pretende garantir uma repressão mais eficiente ao tráfico de drogas e instituir políticas públicas inclusivas, com o objetivo de reinserir socialmente usuários e/ou dependentes.
O problema do uso e do tráfico de drogas no Brasil tem ganhado uma dimensão de emergência nos últimos anos. Segundo um estudo da ONU, publicado recentemente e amplamente difundido pela imprensa, o consumo de anfetaminas entre estudantes cresceu 150% nos últimos dez anos. O uso de maconha avançou 325%, e o de cocaína teve um aumento assustador de 700% nesse mesmo período. O mesmo estudo revela que o tráfico emprega mais de 20 mil meninos e meninas -na faixa de 10 a 16 anos- e é responsável por uma parte significativa dos 30 mil homicídios praticados anualmente no país.
Por si mesmos, esses dados são provas contundentes de que os métodos empregados até agora, essencialmente repressivos e indiferenciadores, não são suficientemente eficazes. Nem se garante mecanismos legais para atacar com eficiência os métodos complexos e modernizados do tráfico, nem se proporciona formas adequadas para tratar a drogadição como um problema de saúde pública, que realmente é.
Embora a imprensa toda tenha enfatizado o aspecto relacionado com a extinção da pena de encarceramento para usuários, o sistema aprovado é muito mais amplo. Em síntese, a iniciativa do meu substitutivo propõe as seguintes modificações principais: (a) fim da pena de prisão a usuários e dependentes de drogas; (b) endurecimento das penas para traficantes, que variarão de 5 a 15 anos de prisão, conforme o caso; (c) tipificação do crime de financiador do tráfico, com penas que variarão de 8 a 20 anos de prisão; (d) agravamento da pena para traficantes em caso de envolvimento de servidores públicos (policiais), crianças e adolescentes ou com associação do tráfico internacional; (e) criação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas; e (f) determinação do juiz ao poder público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, atendimento à saúde.
Com o Sisnad, o Brasil contará com uma legislação adaptada às necessidades atuais de combate ao tráfico e condizente com os novos paradigmas no tratamento aos usuários. É preciso que fique bem claro que não estamos descriminalizando o uso de qualquer droga, mas extinguindo a prática danosa de encarceramento do usuário. Como se sabe, a prisão de usuários e dependentes não traz benefícios à sociedade, já que os impede de receber a atenção necessária e propicia uma convivência deseducativa com agentes criminosos. A política de não-prisão auxiliará a própria conduta dos pais, que, muitas vezes, para evitar a prisão dos filhos, acobertam o uso, impedem o tratamento e acabam por nutrir a indústria da droga, já que esses meninos e meninas continuarão a consumir e a comprar.
Da mesma forma, é preciso singularizar os flagrantes. Por óbvio, há uma diferença enorme em encontrar cinco cigarros de maconha com um jovem que está em frente da sua casa ou na frente de uma escola. Assim como há uma diferença abismal entre um "traficante" que distribui de forma assistemática para os seus amigos daquele que estabelece uma relação sistemática e comercial de venda e esteja vinculado ao crime organizado.
Por certo, ainda há muito a avançar. O que importa é que a nova proposta de lei dá o amparo legal para tratar bandidos como bandidos, e pacientes como pacientes.


Paulo Roberto Severo Pimenta, 38, jornalista e técnico agrícola, é deputado federal pelo PT-RS. Foi o relator do projeto de lei do Sisnad na Câmara.


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