São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALBA ZALUAR

Macondo no Brasil

NA LITERATURA latino-americana, cunhou-se o termo realismo fantástico para caracterizar a combinação de elementos da fantasia com o realismo que retrata o continente na ficção. Garcia Márquez, autor de muitos romances assim caracterizados, só se reconhecia como alguém que relatava a realidade de seu país.
A ficção, cheia de figuras míticas, imitava a vida, que ele encontrava em eventos comuns. A cidade real e mítica -Macondo- ficou condenada ao desaparecimento, a cem anos de solidão, sem direito a segunda chance.
No Brasil, às vezes tem-se a impressão de que a vida imita a mitologia, especialmente a dedicada às crianças, povoada de madrastas más (é preciso acrescentar o adjetivo, porquanto há as boas) e de pais malvados. Quando deparados em vida com aquelas figuras cruéis, narradas tantas vezes, de tantas maneiras, enquanto crescíamos, a reação pode ser também bárbara e cruel. O horror e o medo que tais personagens primitivos despertam cegam os espectadores e fazem-nos esquecer as atitudes civilizadas. Estas precisam ser construídas no cotidiano da nação para se tornarem reais.
Havia muitas crianças e jovens entre os que jogavam pedras, agrediam e ameaçavam os acusados pela morte da menina Isabella. Foram espetáculos dantescos, dignos de um país em que o sistema de Justiça funciona mal e que incentiva os atingidos pelo horror do crime a querer fazer justiça pelas próprias mãos.
É como se a caixa de Pandora dos sentimentos mais abjetos e das emoções mais primitivas tivesse sido aberta na seqüência narrada pelas telas da televisão.
O que a vida, tal como exposta nessas cenas primitivas, sugere é que uma reforma no sistema penal se tornou urgente. A confiança em relação à capacidade do sistema de Justiça de condenar os culpados precisa ser recuperada. Há muitos crimes que permanecem impunes neste país, tanto mais revoltantes quanto mais atingem pessoas inocentes, vulneráveis e indefesas.
Um país em que as pessoas livres, assim como os apenados, resolvem castigar e até executar os culpados pelas maldades feitas a crianças e idosos, quando apenas suspeitos ou quando chegam à prisão, não é um país que confia na sua Justiça.
Mas é possível que não estejamos, ao contrário dos acusados pelo crime, condenados a cem anos de solidão. Depois de tantas críticas feitas às polícias no Brasil, é preciso registrar que, nesse caso, a investigação bem-sucedida e a discrição dos policiais em relação a provas fundamentais podem ajudar no desfecho justo do julgamento dos homens, que só será completado no tribunal do júri.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Peçonha humana
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.