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ALBA ZALUAR
Macondo no Brasil
NA LITERATURA latino-americana, cunhou-se o
termo realismo fantástico
para caracterizar a combinação de
elementos da fantasia com o realismo que retrata o continente na ficção. Garcia Márquez, autor de muitos romances assim caracterizados, só se reconhecia como alguém
que relatava a realidade de seu país.
A ficção, cheia de figuras míticas,
imitava a vida, que ele encontrava
em eventos comuns. A cidade real e
mítica -Macondo- ficou condenada ao desaparecimento, a cem
anos de solidão, sem direito a segunda chance.
No Brasil, às vezes tem-se a impressão de que a vida imita a mitologia, especialmente a dedicada às
crianças, povoada de madrastas
más (é preciso acrescentar o adjetivo, porquanto há as boas) e de pais
malvados. Quando deparados em
vida com aquelas figuras cruéis,
narradas tantas vezes, de tantas
maneiras, enquanto crescíamos, a
reação pode ser também bárbara e
cruel. O horror e o medo que tais
personagens primitivos despertam
cegam os espectadores e fazem-nos esquecer as atitudes civilizadas. Estas precisam ser construídas no cotidiano da nação para se
tornarem reais.
Havia muitas crianças e jovens
entre os que jogavam pedras, agrediam e ameaçavam os acusados pela morte da menina Isabella. Foram espetáculos dantescos, dignos
de um país em que o sistema de
Justiça funciona mal e que incentiva os atingidos pelo horror do crime a querer fazer justiça pelas próprias mãos.
É como se a caixa de Pandora dos
sentimentos mais abjetos e das
emoções mais primitivas tivesse sido aberta na seqüência narrada pelas telas da televisão.
O que a vida, tal como exposta
nessas cenas primitivas, sugere é
que uma reforma no sistema penal
se tornou urgente. A confiança em
relação à capacidade do sistema de
Justiça de condenar os culpados
precisa ser recuperada. Há muitos
crimes que permanecem impunes
neste país, tanto mais revoltantes
quanto mais atingem pessoas inocentes, vulneráveis e indefesas.
Um país em que as pessoas livres, assim como os apenados, resolvem castigar e até executar os
culpados pelas maldades feitas a
crianças e idosos, quando apenas
suspeitos ou quando chegam à prisão, não é um país que confia na sua
Justiça.
Mas é possível que não estejamos, ao contrário dos acusados pelo crime, condenados a cem anos
de solidão. Depois de tantas críticas feitas às polícias no Brasil, é
preciso registrar que, nesse caso, a
investigação bem-sucedida e a discrição dos policiais em relação a
provas fundamentais podem ajudar no desfecho justo do julgamento dos homens, que só será completado no tribunal do júri.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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