São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2008

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Do Madeira ao Xingu

Leilão da usina de Jirau acentua queda de preços da hidreletricidade da Amazônia; Belo Monte representa o grande teste

O LEILÃO da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira (3.150 megawatts), trouxe vários resultados animadores, sem deixar de suscitar algumas interrogações. O saldo mais vistoso foi o deságio de 22% sobre o preço mínimo. A energia de Jirau sairá por R$ 71,37 o megawatt-hora (MWh), menos ainda que os R$ 78,87 da usina Santo Antônio, a jusante.
É um bônus para a massa de consumidores residenciais e comerciais. Os preços da hidreletricidade caíram de modo firme nesses dois leilões de energia nova, diante do patamar de R$ 126-131 no leilão de outubro. O governo federal festeja o sucesso da política de redução de preços, ancorada em projetos hidrelétricos de grande porte na Amazônia, mas subsistem dúvidas sobre sua sustentabilidade.
A primeira dúvida partiu não de ambientalistas, mas de investidores. Assim que saiu o resultado do leilão, caíram 6% as ações da empresa Tractebel. Ela é face nacional da grande vencedora do leilão, a franco-belga Suez Energy, sócia majoritária do consórcio Energia Sustentável.
Foi uma manifestação clara de desconfiança na capacidade dos vencedores de manter a lucratividade do empreendimento com um preço tão baixo. Uma usina 125 km mais distante da capital do Estado e com menos energia garantida na geração que a vizinha Santo Antônio (1.975 MW, contra 2.218 MW) em princípio não deveria custar menos.
A Suez e parceiros como Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul inovaram. Deslocaram 9 km rio abaixo o ponto de instalação das 44 turbinas, reduzindo assim a um décimo a escavação de rochas. Só a alteração no projeto traz economia de R$ 1 bilhão.
Reeditando a estratégia da concorrente Odebrecht para Santo Antônio, o consórcio planeja adiantar em dez meses a operação da usina e concluir a obra antes do prazo, ainda em 2013. A antecipação lhe daria o direito temporário de comercializar toda a energia, e não só os 30% contratuais, no mercado livre. Grandes consumidores industriais já pagam algo da ordem de R$ 120/MWh, de acordo com o inusitado pré-leilão realizado sexta-feira pelo consórcio.
A audácia da engenharia vitoriosa, contudo, está na proporção direta do risco envolvido. Não sobra muita margem para os tradicionais atrasos em obras de hidrelétricas. Como houve alteração no projeto contemplado com licença ambiental prévia, é de supor que as licenças de instalação e operação, por exemplo, demandem mais tempo de análise, ao menos de início.
Ilude-se quem concluir que a saída de Marina Silva da pasta do Meio Ambiente garante um licenciamento sem percalços. Além do Ibama, estão envolvidos ainda Ministério Público e Justiça, fora da alçada do Executivo.
A política federal de baixar o custo da energia se afirma e traz benefícios claros para o público, mas seria prematuro deduzir do sucesso dos últimos leilões que ela possa ser mantida indefinidamente. O grande teste virá em 2009, no leilão da usina de Belo Monte (11.150 MW), no rio Xingu, muito mais controversa.


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