São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RUY CASTRO

O problema do onde

RIO DE JANEIRO - Um dos problemas dos garotos em 1968, além da ditadura militar, do acordo MEC-Usaid e da Guerra do Vietnã, era namorar. Não que faltasse com quem. O problema era onde.
Namorar era um eufemismo para transar, verbo que começava a aparecer com esse sentido. A pílula já era uma realidade e, naquele ano, no Rio, pelo menos em certos círculos, a virgindade feminina se tornara um tabu ao contrário: uma garota que chegasse virgem aos 19 anos ficava rubra ao admitir isso para as colegas.
Os rapazes estavam sempre dispostos a ir para o sacrifício. Mas onde? Os motéis ainda não existiam, os poucos hotéis para encontros ficavam na longínqua São Conrado e quase ninguém tinha carro. No desespero, ia-se para a praia à noite, principalmente a do Leblon, então escura e deserta. O risco era o achaque dos Cosme e Damião.
Mais seguras eram as garçonnières dos amigos. Garçonnières eram quarto-e-salas mantidos por homens casados para suas piruetas extraconjugais. Como não as usavam todo dia, às vezes emprestavam-nas por algumas horas aos amigos. Uma delas, na rua Paula Freitas, em Copacabana -não me lembro do proprietário-, sairia nos jornais em 1970 ou 1971 ao "cair" como "aparelho" do grupo terrorista VPR. É possível que, em 1968, já fosse um "aparelho", só que também usado, como disfarce, para fins imorais. Que perigo.
Nesses 40 anos, houve três revoluções sexuais e uma brutal expansão imobiliária, mas o problema do onde continua. Em função disso, alguém em São Paulo está propondo a liberação de trechos do parque Ibirapuera para sexo a céu aberto.
É a falsa boa idéia. Todo exibicionismo é bobo, e ainda mais quando permitido. Sexo é ótimo, mas, quando envolve transgressão e risco, é muito melhor.


Texto Anterior: Brasília - Melchiades Filho: Boca livre
Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Grau de investimento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.