São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 2000


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JOSÉ SARNEY

Sem pão, sem razão

A imagem do Brasil no exterior ainda não conseguiu alcançar um nível de segurança fora de turbulências, de um país com uma perspectiva de crescimento e bom desempenho de futuro. Permanece a visão de uma área instável, onde se exerce uma especulação de ganância, lugar ideal para esse capital de curto prazo marcadamente aventureiro. Os investimentos de longo prazo, segundo afirmam, estão circunscritos às grandes empresas globais, que têm antigos interesses no Brasil e se posicionam para não perder mercado diante da competição, à frente delas o setor automobilístico. É a opinião que se ouve quando se viaja num mundo dominado pela visão da economia, setor que realmente está globalizado e desestabilizou a soberania dos Estados que não controlam suas decisões, em mãos de gigantescas companhias que funcionam sem nacionalidade nem fronteiras. Assim, hoje, são os mercados globais, que decidem qual o destino de qualquer Estado nacional.
Principalmente na Europa, onde os assuntos humanos são mais sensíveis, pesa sobre o nosso país um outro agravante de imagem, que é de uma sociedade fracionada por desigualdades comprometedoras, concentração de renda que a cada dia se torna maior, a violência urbana, os massacres, os menores de rua, a prostituição infantil e uma anarquia política sem controle, cuja face é mostrada pelas crises em cadeia que se sucedem sem parar. Essa visão, algumas vezes hipócrita, não parece retroceder.
Por outro lado, todos falam que o Brasil abandonou o seu destino nacional, perdeu identidade e, hoje, alinhou-se completamente aos Estados Unidos, passando a uma situação de satélite. Os europeus dizem isso com um toque de decepção e ressentimento. Na França e em Portugal, já não se escondem essas críticas, que estão saindo dos formadores de opinião pública para ganhar setores dos próprios governos.
O problema é saber até que ponto essas imagens se fundem entre o real e o simbólico, entre a versão e o fato. Nós pagamos um preço altíssimo com a mudança no regime de câmbio e ainda não cicatrizaram de todo as feridas daquela decisão. O balanço é que foi correto, como atestam os resultados que estão aí com a melhoria dos números macroeconômicos. Mas não tenhamos a ilusão de que saímos completamente da berlinda.
O Brasil fez um esforço gigantesco. Não aconteceu a catástrofe que profetizaram e aqui não tivemos o que ocorreu com a Rússia e alguns países asiáticos. Mas não obtivemos as condições de decisão para voltarmos a crescer e, sem desenvolvimento, o esforço de estabilização da economia não rende os frutos que a nação esperava. As expectativas se frustram e o terreno político fica movediço.
Dentro e fora do Brasil, só teremos argumentos para combater as imagens falsas e as leituras preconceituosas sobre o nosso caminho com o crescimento econômico. Com o desenvolvimento, as pesadas nuvens internas vão embora e o vozerio internacional desaparece. Devemos reagir um pouco às políticas do Fundo Monetário Internacional e defender a empresa nacional, esmagada na avalanche da globalização. Sem crescimento, é o velho brocardo popular: "Em casa que não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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